7.8.23

A Gaffe das lesmas

Varun Aditya

- A menina janta arroz de pato?
– a Josefa pergunta à minha irmã que tinha desabado na poltrona no início tarde de preguiça e de calor em brasa.

A minha irmã ergueu a sobrancelha.
Procurava na pergunta um laivo de troça escondida, um rasto de gozo miúdo, que as mulheres do Douro usam de modo tão discretamente certeiro. Nada! A Josefa queria mesmo saber as preferências culinárias da menina.
- Oh! Josefa! – espanta-se a minha irmã, depois de ter vazado a alma da miulher com os punhais desconfiados do olhar –, ninguém come essas coisas com este calor! Eu só quero uma salada. Daquelas que a Josefa sabe fazer, muito ecológicas e verdes, com alface de folha lisa. Mas, por favor, retire-lhe aquilo dos caracóis.

- Diga, menina? – insiste, mas já de sorriso discreto à tiracolo.
- As coisas sem casca. As fêmeas dos caracóis – explica sobranceira.
- As lesmas – procura esclarecer com uma paciência não isenta de brevíssimo desdém.
- Não me faça isso, Josefa! Eu não quero saber como se chamam as senhoras.

É do calor. Esgana-nos o cérebro.

Depois há a ausência de piscinas.
Em todos os cantos onde fico, há uma escandalosa falta de piscinas.
Há repuxos, copos, tanques, esguichos, torneiras, lavatórios, bidés, lagos, bicas, fontes, poças, garrafas e alguidares, mas piscinas nem pingo.
Há aqui, é bem verdade, a gigantesca cisterna, mas ninguém em condições psicológicas ditas razoáveis se atreveria a mergulhar no desmedido e medonho espelho de água gélida, capaz, tenho a certeza, de sinistramente sorver o mais incauto puxando-o para as profundezas negras muito Stephen King.
Contentemo-nos com o chuveiro improvisado de água fria, tomado lá fora, na sombra do início do jardim, de rendas brancas, aos gritinhos e à vista dos homens suados e bravos e fortes e duros que começam a chegar ao fim da tarde.

São uma apetitosa salada, estes rapazes, depois de despejadas as mais atrevidas esposas dos caracóis.