Estirei-me no sofá.
Absolutamente inútil, com um copo de limonada gelada na mão e uma revista atirada a um canto. O meu spleen queirosiano atingia a comédia idiota que se arrastava sem interesse na televisão muda.
Lanço breves os olhos a um artigo onde uma senhora – anafada, com certeza, baixinha, com certeza, com cimento armado na cabeleira, com certeza -, alfinetava a opinião de uma qualquer desconhecida, sem perceber que o alfinete estava a ser cravado com o seu punho fechado e que o bico voltado para cima ameaçava atingir-lhe o osso.
O calor expulso estalava a noite e a comédia marchava muda até a cena surgir deliciosa.
Um actor em excelente forma física atravessava uma sala, completamente NU!
Durante todo o trajecto – e não foi de desprezar - a pilita do senhor ficou tapada por uma data de objectos que o realizador teve a destreza de colocar estrategicamente. Uma operação que exigiu uma colecção razoável de jarras, livros, estatuetas, ramos de flores um espaldar de cadeira, uma esquina de mesa, protuberâncias de móveis e um gato repolhudo. Todos os elementos partilhavam uma característica: eram todos bastante volumosos.
Uma rapariga fica a pensar que de bom grado estilhaçaria os vidros opacos e esbardalharia as tolas bugigangas que impedem a visão de outros universos que não os que lhe provocam um tédio acalorado. No entanto, admite que às vezes é de extrema utilidade ter à mão de semear uma qualquer coisinha - uma concha, um berlinde, um fósforo, um papelito, uma florinha terna e simples - que impeça a visão de alheias e ridículas tolices confundidas com mordidas de alfinete.