6.5.24

A Gaffe numa lapela


Apenas agora - e porque só agora o soube -, dou comigo com uma gigantesca estrela pousada em mim que me tentava equilibrar no piso escorregadio destas Avenidas.
Sinto-me absolutamente deslumbrada, orgulhosa, vaidosa e um bocadinho atarantada, porque mereci a simpatia de um dos raríssimos Cavalheiros, de um dos grandes Cavaleiros, da Literatura Portuguesa de todo o sempre.

Rentes de Carvalho teve a imensa generosidade de me olhar, desviando-se do que sempre foi maior. 

E bastava-me um sorriso.

Valham-me todos os deuses! Eu tenho aqui ao lado as extraordinárias obras deste sábio e tanta vergonha de descobrir que estou nestes preparos.

Sinto-me tão recompensada.

Uma das minhas amigas, uma das mais excêntricas, foi sempre dona de um humor que, não sendo britânico, contém uma dose de surrealismo que encara com a maior das seriedades.
É fácil vê-la com um colorido cata-vento a prender o cabelo que gira endoidecido com os movimentos da cabeça. Tornaram-se habituais as poderosas flores na lapela que incluem girassóis gigantes ou estrelícias que lhe ultrapassam os ombros para se espetarem no espaço. Não é de todo estranho vê-la acudir aos sofredores, de pantufas com um o lobo mau em peluche num dos pés e um capuchinho vermelho de feltro no outro e nada há a opor quando surge abrigada por um guarda-chuva multicolor coberto de lanteloujas que comprou na Índia.

Admito que por vezes é embaraçoso. É precisa uma coragem de leão para se enfrentar a vida com um coração de penas de arco-íris pousado em nós como um facto de importância substantiva.

Estas atitudes que facilmente se tornariam alvo de punhais e sugestões de internamento compulsivo por parte dos mais que sobram, são de tal forma assumidas com tamanha honestidade, séria postura e espessa sisudez que acabam por ser reconhecidas como fazendo parte do seu modo de ser alma somente.

Esta minha querida amiga disse-me um dia a bagatela que não penso esquecer.

Às vezes, os dias são feitos com cinzas. Enfeita-os com as cores das inesperadas tontices mais banais.

Apenas a genialidade adquire ao longo do tempo o direito de usar girassóis ruivos na lapela sem que os que ficam no andar de baixo ousem questionar a escolha do ornamento, pressupondo que a flor solar é usada apenas como um reflexo de um patamar de inteligência que não atingirão jamais.

Gostava muito de ser esse girassol na sua lapela.

Muito obrigada.