22.5.24

A Gaffe cúmplice


 Gosto de manhãs de nevoeiro denso sobre a copa das árvores.

Gosto de me aproximar da janela sonolenta do meu quarto e ver ao longe os dois.
O envelhecer galopante do meu pai torna-o deslumbrante. Branco e esguio, magro, cada vez mais magro, cada vez mais longe e mais pacífico. Uma haste erguida frágil no sossego dos caminhos ou um livro fechado no regaço das águas.
Adormece facilmente. É bom ficar sentado a vê-lo assim dormir. Parece morto e nesse simulacro é imortal.
Às vezes senta-se na poltrona da sala que prefere, a virada a Norte e àquilo que é mais frio, e deixa-se ficar de mãos cruzadas. Imóvel e discreto. Depois, e de repente, vai-se embora, como se tivesse dito tudo ou nada mais houvesse para ser visto.

Gosto destas cavernas de silêncios pálidos.

O meu irmão que lhe segura o braço, ao lado dele, torna-se ainda mais terno e meigo e afectuoso.
Tem trigo nos cabelos, o meu irmão, e olhos diluídos pelas árvores.

Vão recolhendo nas manhãs as minhas névoas.