10.7.24

A Gaffe caminhante

Já não me lembro da rapariga que escolheu a primeira palavra solta, num texto solto de um livro aberto, para encabeçar o blogue. É evidente que não vou fazer retrospectivas ou balanços. Acho-os deprimentes.
Caíram países, morreram governos, tombaram ilusões, esqueceram-se tragédias, continuaram os assassínios, ergueram-se pontes para que as armas chegassem aos outros lados, morreram-nos, morrermo-nos. Também fomos felizes. Também esperamos Godot. Também cuidamos das roseiras.

Talvez por isso - e pelo que não se diz por ser moroso - acabe apenas espantada por ter conseguido manter milhares de palavras presas por fios que nunca tive a coragem de cortar e que me deixaram sossegada com alguma facilidade – e antes isso, que andar na droga.
Nunca escrevi de forma cuidada ou preocupada, nunca desbravei adjectivos ou advérbios, nunca depurei o que rabiscava, nunca fiz um rascunho que me permitisse limar ou polir o que queria que fosse lido, raramente pensei duas vezes naquilo que na primeira foi dito e talvez por isso reconheça que deixar de escrever é para mim de somenos importância. Nunca foi sofrido e pungente, nunca foi urgente, inevitável, intrínseco ou apanágio do meu saltitar pela vida. Escrever é apenas uma bugiganga que uso. Se a perder nada se ergue a não ser o gesto provável de quem procura outra. No entanto, as fugidias palavras que deixo adejar por todo o lado e que pousam nestas Avenidas abarcam sempre o mistério das coisas breves cuja eternidade é o dia da borboleta.

Talvez por não saber ser insecto capaz e obreiro, laborioso e exemplar, sinta, por mimetismo frágil, o impulso de retornar a casa para dormir. Não levo pólen preso no meu voo. Levo o que vi seguro por palavras que encontrei minhas e dos outros. 

Dizer que cresci durante este tempo aqui passado, é uma forma suave de disfarçar a palavra envelhecer. Crescer é sempre um distanciar, um apurar de limites e fronteiras, o desenhar de espaços íntegros e nossa pertença, um aprimorar dos sentidos e uma admissão do que valemos em consciência. Crescer, diz um Amigo, é educar a violência. Crescer é portanto envelhecer. Só envelhecendo nos tornamos pacíficos. A violência é sempre consequência de tenebrosa imaturidade.

Pasmo perante este processo de inversão Kafkiana que molda uma mulher a partir de uma barata.

Suponho que ainda não sei para onde vou. Aprendi há pouco tempo a caminhar.