30.7.24

A Gaffe de galochas


A Gaffe usa galochas.

Pretas, justas à barriguinha da perna, com uma ligação perfeita aos jeans - de cor uniforme, não vá parecer que andou nas obras -, e camisa muito masculina, larga, com um xadrez de inspiração escocesa, com um nó na cinta.
A Gaffe usa galochas para visitar os pobrezinhos e os mais desfavorecidos que vivem na lama e no esterco.

Nas visitas aos sem-abrigo, a Gaffe acrescenta um agasalho muito discreto, de caxemira de cor sóbria e respeitosa e botas de campanha. Os jeans são os mesmos, para não parecer que se varia muito e frisar que não são apenas eles, os pobres, que insistem em dizer que a moda é só aquilo que nos fica bem. Às vezes um tailleur vintage, ou um simples cobertor Galliano - mesmo um de 2010 -, que nos assenta na perfeição, é o que basta para nos actualizar olipicamente.

Atenção: Os sem-abrigo só existem de noite e não fica nada mal acrescentar ao outfit um capacete com uma pilha incorporada.


Nada é mais agradável do que saber que Macron comunga deste elegante saber estar, observando as suas oportunas posições que nos revelam que, tal como a Gaffe, monsieur le président calça muitas vezes botas e enfia umas calças muito práticas, prontificando-se desta forma a calcar o cocó que os sem-abrigo fazem na rua nos seus momentos mais globalizantes que os aproximam da cultura mais rude dos indianos. 
A Gaffe fica contente ao perceber que se poderia a qualquer momento cruzar Macron nestas visitas purificadoras, muito jeitosas, muito Olimpíadas 2024 e que nos deixam livres para optarmos por um guarda-roupa mais descomprometido e relaxante, contrário ao que tantas vezes nos é imposto pelas convenções sociais e que nos faz parecer saídas das fotografias de um século passado. O lazer que nos traz a possibilidade de usarmos o mais descomplexado, o mais jovial e descontraído, é muito descurado neste país que também esquece, paradoxalmente, que uma mulher de saia travada dificilmente cumpre o seu dever, como nos alerta o amigo americano. Como é evidente, a Gaffe concorda. Uma saia travada prende imensos movimentos - muitas vezes os melhores - e é também desaconselhada quando a mulher assiste a uma tourada, depois de cumpridos os seus deveres domésticos. Uma rapariga senta-se naqueles estrados muito baixos, fica indecorosa e é evidente que pode causar alguma distracção na testosterona da arena. Uma saia travada é muito mais indicada a uma noite de fado, depois de cumpridos os nossos deveres domésticos - nunca é exagero repetir.

É uma alegria ver que Macron se une a esta rapariga esperta e à bondosíssima Jonet na corrida aos pobrezinhos! Finalmente dois países europeus - do melhor que há -, têm a hipótese de se orgulhar de um trio saído de uma opereta, com um guarda-roupa irrepreensível e capaz de fazer desandar e desaparecer das cidades olímpicas umas centenas de sem-abrigo desagradáveis que destoam na abertura - tão inclusiva e tão tudo, tudo, tudo, todos, todos  todos, até a bichice -, das olimpíadas em Paris no ano de 2024.

Só é de lamentar que não tenha acontecido o mesmo às ratazanas das margens do Sena. As piquenas ficaram.