6.7.24

A Gaffe e um bâton


O fumo faz-lhe erguer a sobrancelha. A minha avó chega atrasada e justifica:

- Uma mulher deve-se adornar para os homens belos. São os únicos que a conseguem ver despida. 

Sorri. Que não a incomoda o corar do meu irmão.

Entrega-lhe o isqueiro para que lhe abrase um cigarro novo. Depois brinca com a cigarreira aberta.

- Reparo, meu querido, que se refere a ela como a sua amiga. Soa a Cantiga com iluminuras, mas porque não diz a minha amante? Sabe que mudam de cor essas palavras sempre que são ditas?

Não sabe. É tão pequeno e triste como eu.

- Mas é verdade. Dizer a minha amante transforma os lábios e a cor dos olhos. As palavras ganham todas as nuances da alma de quem diz.

A senhora e a cigarreira de prata que não se abre à luz que vem coada por um quebra-luz. Um quebra-luz, avó, que a luz pode quebrar, mas não se abate.

- Na minha boca, meu caro, o meu amante sempre teve a cor do meu bâton.

A senhora afasta a onda do cabelo. 

- Ciclamen Rose. - Um suspiro que faz doer como um corte de papel.

- A cor do meu bâton. Já não existe. 

E a senhora fecha a cigarreira com um clique.  

Gaffe- 03/07/2014