27.7.24

A Gaffe ondulada


A Gaffe tem uma amiga com um cabelo estupendo.

O mais moderno, o mais famoso, o mais competente e mais badalado dos cabelereiros deste país seria capaz de cortar um dedo, ou empenhar aquilo que os rapazes costumam apostar, para adquirir a capacidade técnica de fazer acordar uma cliente com o ondulado absolutamente vintage, divinamente anos 50, com que a sua querida amiga natural e naturalmente se levanta todas as manhãs.
A Gaffe acredita mesmo que os magníficos e hollywoodescos cuidadores das cabeleiras das divinas vamps de outrora desatariam aos gritos e aos saltos mal percebessem que o que lhes levava horas a conseguir, a esta rapariga leva o tempo de mergulhar os dedos na sua sedosa e brilhante e ondulada e magnífica juba.

Acontece que um desses facínoras detentores de um poder mal estudado e demasiado subvalrizado, convenceu a pobre amiga a experientar aquilo a que chama, se o espanto não a atraiçoa, um alisamento japonês.

A Gaffe não faz ideia se o nome desta operação está ligado ao facto do nosso cabelo ficar com a textura das cabeleiras orientais, lisas, pesadas, sedosas e luminosas, ou se tem a ver com o facto de a nossa carteira ficar tão lisa e plana como a nuca dos queridos japoneses.
O facto é que a tragédia aconteceu e vai durar. O alisamento japonês é coisa para semestres de duração e só o corte radical daquela lisura impessoal poderá fazer com que renasça das cinzas o ondulado fantástico agora cilindrado.

A pobre amiga perdeu o que a tornava única em nome de uma imagem lisa e luzidía, capaz de atravessar toda uma humidade mexicana sem ameçar sequer uma sombra de onda mais traquina.
Perdeu-se personalidade, garra e marca. Ganhou-se um brilho liso, quase diamantino, bastante agradável para quem se contenta com zircões.

O drama, diz a Gaffe, é que normalmente nós, mulheres, esquecemos que somos um todo planeado ao milímetro e nada nosso é exagero ou erro de casting. Esquecemos demasiado depressa que aquilo que tantas vezes consideramos falhas ou defeitos, são somente as pequenas memórias que deixamos nos homens que valem a pena ser vividos.
Os homens que não interessam, aqueles que podemos ignorar, esquecer ou tornar invisíveis, acabam normalmente casados com umas mamas de silicone e ignoram completamente que estão casados com a mulher toda.