14.7.24

A Gaffe esplendorosa

Não é fácil erguermo-nos a brilhar nas preguiçosas manhãs do nosso descontentamento, sobretudo quando nos sentimos desgrenhadas, ensonadas e com todos os sentidos anestesiados.

Embora com uma nuance significativa, a última vez que o conselho que se viu estampado na t-shirt Rise and Shine surtiu efeito, foi com Lázaro e só porque chegou directamente de Jesus. Mesmo assim, Lázaro nunca mais se livrou convenientemente do cheiro que lhe carcomia a sedução.

Não nos acordem com a promessa de uma manhã de sol aberto. Nós não fazemos fotossíntese. 

Erguermo-nos radiosas nas vossas manhãs, rapazes, é uma impossibilidade mais do que comprovada.Tornamo-nos patéticas quando teimamos em levantar as pálpebras com a sombra YSL inabalável que usamos na véspera ou com o bâton sangue-de-boi Dior  - a cor do bâton não engrandece o costureiro - a preencher na perfeição os nossos lábios frescos de brisa matinal.

É inevitável esbandalharmos a tela magnífica da véspera. É impossível imprimirmos sem sequelas o rosto maquilhado na almofada alva - qual sudário -, que nos suportou o peso da inércia, da exaustão e da impaciência que nos fez adormecer com pestanas postiças que acordam coladas nas axilas, pregando-nos um susto horripilante. Acordamos espapaçadas na cama, penosas vezes de boca aberta e em poses pouco dignificantes, muitas de nós a babar-se e a roncar - não pensem que vão ouvir os rouxinóis -, sem cabeleireiros, aderecistas, iluminação, maquilhadores, banda sonora e tropas da elite oscarizada enfiadas no armário.

Nenhuma rapariga, por muito que se esforce, vai amanhecer erguendo-se com a subtileza da gazela, o gesto alado da mariposa ou a esguia elegância do cisne, qual Catherine Deneuve ou Grace Kelly - citadas para apoiar a alusão a Lázaro.

Por muito que esperneiem, nem as fadas, ninfas e sílfides, princesas de outras eras e da nossa, rainhas de beleza e sedutoras divas, jaguares no feminino, panteras negras, íbis do Nilo e de outros rios que não passam pela minha aldeia, trapezistas do encanto e do fascínio, Mata-Hari que segreda apenas mel e todas as ritas pereiras com que sonham, acordam com um hálito a mentol.

Rapazes, deixem de nos massacrar com ilusões de folhas de revista ou de frames de uma fita com glamour e ouçam a voz do ancião do pico da montanha do real:

Wake Up and Smell the Coffee!

Anote-se, no entanto, que uma rapariga também não precisa, todas as manhãs, de perceber que a vossa vida, rapazes, não saiu directa das páginas do KamaSutra e é apenas um folheto de Carnaval ou um pindérico romance de cordel.

As vossas olheiras, os vossos papos, as vossas manchas e maleitas faciais, as vossas borbulhas, os vossos lanhos labiais e outras pequenas mazelas, não nos deixam entusiasmadas. Mesmo aquele aspecto desregrado, normalmente acompanhado de um sorriso patético, de quem não dormiu por ter estado ocupado em manter acordada a companhia, não é, de todo, atraente para uma rapariga que começa a debicar o seu croissant.

Os portugueses são demasiado tímidos e inibidos - a Gaffe hoje está tão benévola! - e ainda consideram embaraçoso perguntar à menina do Shopping pela secção onde se podem encontrar com o creme hidratante ou com o pincel que lhe atenuará os pântanos negros que trazem debaixo dos olhos.
Meus caros, existe no mercado uma quantidade inimaginável de produtos dispostos a tentar transformar-vos em quotidianos, diários, modelos da Vogue em todo o esplendor de uma página central.
Se fosse patrocinada, a Gaffe aconselharia, como seria evidente, Dior ou, mais económica, toda a gama Jean Paul Gaultier - Gaultier também sabe ser eficaz com discrição, reserva e tino, mas esqueçam-lhe os perfumes, sim? -, que abrange, atenua e remedeia, com uma eficácia transbordante, toda a parafernália de maleitas que nos maça e arrepia - as borbulhas lunares são horripilantes e espremem todas as vossas hipóteses de dormir acompanhados.
Mas cuidado! Não é de todo necessário que os homens masquem uma pastilha de mentol antes de nos beijar. Pode não parecer, mas não é assim tão refrescante sentirmos a brisa fresca das montanhas da Suiça contra os dentes, não é convidativo ouvirmos a Julie Andrews a cantar umas tolices pela nossa garganta abaixo e é constrangedor sentirmos a Heidi debaixo da língua.
Escovar os dentes resulta.
Depois, apesar de todas nós sabermos que só os vegetarianos conseguem ter na boca a frescura de uma horta orvalhada ou no mínimo de uma salada minimal, nunca uma rapariga permanecerá por muito tempo no palato de um homem que lhe lembra a dieta.

Sejam corajosos e arrisquem!

A Gaffe não simpatiza com um homem que traz na boca o sabor do seu bâton e que usa e abusa do seu nécessaire, mas o esforço que leva um rapaz a levantar-se uma hora antes do acordar da princesa, para a extasiar com um belíssimo aroma a sabonete e um hálito de prados paradisíacos, tem por certa a recompensa.

Não acordem como são. Acordem-nos sempre melhor.