4.7.24

A Gaffe sangrenta


Sempre senti uma enorme atracção por sangue.

Folhas manchadas que cortaram dedos; lâminas sujas, maculadas, que lanharam o rosto ao barbear; lenços brancos que serviram de tapume a pequenos golpes sofridos à toa.

Não chego a tocar nas manchas vermelhas, mas despertam-me a atenção de modo quase obsessivo. Fico varada a observar o esbater da nódoa, as zonas onde a cor se atenua, a esmaecida fronteira que inicia o corromper do límpido. Deslumbro-me com a magnitude do encarnado e assombro-me se adivinho a origem, o golpe, o lanho, a carne onde o fio frio da agressão se liquefaz externo.

Se me corto, levo à boca o sangue e atento no sabor que dele chega. Não o defino, não o aproximo de nenhum outro que tenha experimentado. Roço a língua pelo golpe e sorvo e chupo e deixo que aquele sentir vagamente metálico me arrepie e é então que descubro a violência bruta das arenas e o apelo incontrolável do assassino, como se da memória mais profunda, mais secreta e obscura, me assaltasse o instinto do que sou.

E gosto. Sabe a vermelho.

Em todas as almas há um lugar sombrio.
De crime.
Podemos não o cometer, mas sabemos que num instante, passado ou futuro, o desejamos.