Não amo estes amantes de Veneza. Não sei de noivas brancas no rendilhado dos bicos que se arrastam ao som de melodias pagas de antemão. Mas sei dos gondoleiros maliciosos, de fácil compra e troca de favores ou sei de apenas um, que se curvou em vénia desenhada ao meu passar na ponte onde passava a gôndola.
- Bella principessa, non vi piace questo povero uomo?
Depois sorri à espera de não ser percebido. Um sorriso à venda já sem venda que sei trocar palavras.
Não amo os amantes de mãos dadas a Veneza.
Percorro as ruelas da cidade e vejo em que em cada vértice de luz as promessas de corpos encostados, mas há a densidade dos azuis das sombras e entra-me na alma a humidade do interior das pedras desoladas.
Que c´est triste Venise
Au temps des amours morts
Que c´est triste Venise
Quand on ne s´aime plus
On cherche encore des mots
Mais l´ennui les emporte
On voudrais bien pleurer
Mais on ne le peut plus
Que c´est triste Venise
Lorsque les barcarolles
Ne viennent souligner
Que des silences creux
Et que le cœur se serre
En voyant les gondoles
Abriter le bonheur
Des couples amoureux
Não gosto dos casais enamorados que vejo a flutuar nas praças nupciais. Parecem-me saídos de caixas coloridas de cartão. Não entendem a subtil presença da cidade e o esconso perigo das ruas moribundas. Amam-se e basta, como se esse amor afugentasse os sinistros murmúrios das esquinas, os lanhos de luz por entre as pedras ou as retalhadas e frias manhãs dos pátios sem abrigos. Amam-se como se a cidade os protegesse, quando Veneza é uma mulher apenas a trair ou um rapaz com olhos de vitral quebrado. Amam-se como se não houvesse nenhum tiro no escuro, nenhum velho a passar seguido pela morte, nenhuma ponte podre, nenhuma janela aberta como ferida, nenhum tempo passado a corroer as vigas de um Palazzo.
Veneza é arma branca, corroída, e não o idílio de um lençol estendido.
Não amo os amantes de mãos dadas a Veneza.
Percorro as ruelas da cidade e vejo em que em cada vértice de luz as promessas de corpos encostados, mas há a densidade dos azuis das sombras e entra-me na alma a humidade do interior das pedras desoladas.
Que c´est triste Venise
Au temps des amours morts
Que c´est triste Venise
Quand on ne s´aime plus
On cherche encore des mots
Mais l´ennui les emporte
On voudrais bien pleurer
Mais on ne le peut plus
Que c´est triste Venise
Lorsque les barcarolles
Ne viennent souligner
Que des silences creux
Et que le cœur se serre
En voyant les gondoles
Abriter le bonheur
Des couples amoureux
Não gosto dos casais enamorados que vejo a flutuar nas praças nupciais. Parecem-me saídos de caixas coloridas de cartão. Não entendem a subtil presença da cidade e o esconso perigo das ruas moribundas. Amam-se e basta, como se esse amor afugentasse os sinistros murmúrios das esquinas, os lanhos de luz por entre as pedras ou as retalhadas e frias manhãs dos pátios sem abrigos. Amam-se como se a cidade os protegesse, quando Veneza é uma mulher apenas a trair ou um rapaz com olhos de vitral quebrado. Amam-se como se não houvesse nenhum tiro no escuro, nenhum velho a passar seguido pela morte, nenhuma ponte podre, nenhuma janela aberta como ferida, nenhum tempo passado a corroer as vigas de um Palazzo.
Veneza é arma branca, corroída, e não o idílio de um lençol estendido.
Gaffe, 2022