30.10.24

A Gaffe gestual


1º gesto

O perfume das gardénias nas varandas perfura-lhe os dedos.

Tem gardénias nos dedos das varandas, enjoativas, a provocar a náusea, a arrastar o vómito. Pesam-lhe os dedos como o calor que se abre nos botões das flores.
Os seus dedos são gardénias quentes de perfume e de besouros. Ouve os zumbidos dos bichos debaixo das unhas. O calor estala os botões de mansidão sinistra. Abrem-se como dedos de criança tenros e opalinos.
Nas suas mãos há dedos de gardénias opalinas e debaixo das unhas os besouros zumbem, zoando de perfume. Zunem os seus dedos de besouros bêbados e de gardénias abertas como feridas.

2º gesto

Outrora as mãos peregrinavam e no encontro das mãos ouvia-se rezar nas catedrais.

Nas mãos há peregrinos.
As suas mãos são como um pequeno mosteiro de portas abertas numa estrada por onde não passam peregrinos. A terra do caminho que vai a essas súplicas não é abrandada pelos passos de ninguém.

3º gesto

São ágeis os seus dedos e brancos e angulosos. Se os mover devagar vemos as ondulações meigas dos ramos das árvores de tronco quieto quando chega o vento sem qualquer barulho. Se os mover com fúria parecem insectos presos na angústia das teias de aranha.

4º gesto

As mãos são éguas brancas.

Perto dos juncos, a água dos olhos queda-se a ver ou a rezar lá dentro, a pedir coisas.

5º gesto


Se nos dedos zumbisse o lume a atravessar as sombras dos seus lábios - ou a mão na sua boca - então as gardénias seriam peregrinos a cavalgar o espaço.

Na foto - Paul Éluard