Passo todos os dias por um esconso e velho café encardido que me bate logo pela manhã com um cheiro de fritos mal a porta abre para deixar passar o dono, musculado e bazófia, com as cadeiras de plástico branco da esplanada curta.
A porta do café encardido serve de montra de obituários. Aparecem vastas vezes colados ao vidro os anúncios de morte. Papéis A4 onde a fotografia de alguém encima a notícia, fornecendo ao mesmo tempo, entre parênteses, as datas do início e do fim do retratado, logo seguida da indicação da idade - para evitar fazer contas -, e os agradecimentos da família que informa o local das exéquias e a data da missa do sétimo dia.
Já vi, colados ali ao mesmo tempo, quatro avisos, uns ao lado dos outros. Lembrei-me de eleições. Não sei porquê.
Sempre me surpreendeu que um café encardido e vadio tenha esta vocação, mas disseram-me que era hábito nas terras pequenas colar nos estabelecimentos anúncios de gente que passou para o outro lado de modo a que mesmo os vagos conhecidos fiquem a saber desse desfecho.
Sempre me atraíram estes anúncios tétricos que mostram gente que sorri numa fotografia tipo passe ou naquela mais bonita, que favorece, tirada por um profissional, ou a outra, que foi captada quando havia tempo para se estudar a pose.
Paro e leio.
Preocupa-me com a idade dos que morreram - as fotografias nem sempre revelam a contabilidade da vida que acabou -, como se a velhice me concedesse uma surpresa menor, de menor qualidade, de menor hipocrisia.