Vamos todas almoçar que já não chove ao restaurantezinho que inaugurou há pouco, amoroso, mesmo ali a duzentos metros?
Vamos, que já não chove! É tão fofo e tão bem frequentado! Come-se divinalmente e baratíssimo!
Vamos todas que já não chove e é giro
e podemos falar dos outros!
E fomos todas ao restaurantezinho amoroso, que já não chove e é ali mesmo a
duzentos metros.
Jamais conhecerei a razão que me leva a embarcar no Titanic, mesmo
sabendo que a Céline Dion está lá dentro preparada para desatar aos gritos.
Quatro tresloucadas. Duas delas agarradas às saias, uma revoltada por se
atribuírem nomes de pessoas pobres aos temporais - não há um Salvador, um
Tomás, uma Benedita, uma Maria Antónia! -, e eu a tentar colar as solas dos
sapatos ao chão com o cocó dos cães chiques que andam pelo ar - os cocós, pois
que os cães, mesmo os chiques, não são parvos e recolheram aos seus
aposentos, pese embora o restaurantezinho, a duzentos metros que já não chove,
ter reserva de mesa para os ditos - cães e não cocó dos cães, pois que esse,
percebi depois, era servido enfeitado com uma flor comestível.
Quatro enlouquecidas ao vento com medo de ficar sem soutiens, já que as
calcinhas tinham sido estraçalhadas e, pelo que se adivinha, suspeito não ser
necessário marcar a depilação tão cedo pois que o vento é de lâminas.
Quatro loucas aos gritinhos, uma para cada lado, a tentar mostrar o perfil
ao lobo do vendaval que uiva e sopra nos capuchinhos vermelhos de fúria e no
capachinho que passou a voar.
Quatro taradas a precisar de picaretas para espetar na corrente
a tentar escalar e se possível de um míssil para, em cima dele, se atingir
a porcaria do restaurantezinho a duzentos metros que já não chove.
Cheguei à porcaria do restaurantezinho a duzentos metros que já não chove, sozinha e como se
tivesse saído de uma centrifugadora.
Uma ficou pendurada no homem do leme, a outra com os dentes
cravados num banco de jardim a tentar que o verniz das unhas dos pés não fosse
arrancado e a terceira atracada a um poste disfarçado de matulão. Que
ninguém me responsabilize pelo estado em que lhe ficou a pila.
Fofas!
(Novembro de 2018)