8.9.21

A Gaffe com um homem banal

 

Da janela do Porto consigo ver, todas as manhãs demasiado cedo, um homem que vem à rua fumar um cigarro.

É novo e parece arrepiado. Bate com os pés no chão e esfrega os braços com as mãos bonitas. Não usa resguardo ou casaco, talvez para que dentro não se apercebam que se ausentou do serviço.

É banal.

As hastes dos óculos não são as recomendadas pelos peritos - e sobretudo pelas especialistas, que decidem que hastes devem os homens transportar em determinada época - e não controla o uso de pequenos adereços. Usa-os em excesso.

Vejo-o todas as manhãs e começo a sentir que o quero esperar àquela hora e que lhe sentiria a falta se um dia o cigarro acabasse definitivamente.

Às vezes penso que a banalidade é um vício.

Às vezes penso que é a banalidade que nos faz falta. Aquela espécie de diário corriqueiro que muitas vezes lamentamos e que nos transforma a consciência da realidade num enorme dissabor ou numa desilusão difícil de carregar.

Não sei se alguma vez vou conhecer o homem do cigarro. É provável que não. Sempre suspeitei que andamos constantemente a fugir das pessoas certas e o homem do cigarro matinal não preenche os requisitos que lhe permitiriam pertencer ao meu círculo de amigos. É um círculo que passa o tempo a tentar escapar às pessoas certas, acreditando que as escolhas que faz são as menos comuns.

Não sabem que as pessoas certas, são banais. Que fumam todas as manhãs, à mesma hora, fora dos intervalos do serviço; que sentem frio, porque não querem que se descubra a sua pequenina ilusão de fuga; que usam aquilo que já é fora de moda; que cantarolam para dentro qualquer coisa que ouviram algures pelo caminho e que falam da tijoleira que levantou com a chuva no mesmo tom com que referem o discurso de Biden sobre a tragédia afegã.

São como o homem do cigarro friorento que é a certeza de todas as minhas manhãs, à mesma hora, demasiado cedo, e que me faz tanta falta como a banalidade que mo faz esperar.