16.9.21

A Gaffe de baga muito "fit"

FFO Art

Habituei-me a ver o rapagão a mastigar ao pequeno-almoço uma mistela colorida de pequenas bagas enrugadas.

Depreendi tratar-se de uma colecção de cereais que o homem triturava sem apoio de qualquer outro ingrediente que amenizasse o barulhinho estaladiço que se faz sentir no aconchego do lar. Despeja uma quantidade substancial na mão e vai debicando com uma serenidade que me causa alguma irritação, tendo em conta que não encontro motivo nenhum para tal beatitude.

Quando toda saltitante decidi provar, o rapagão iniciou-me nesta portentosa aventura matinal. Deve-se apenas despejar uma quantidade que se consiga suster na palma da mão - compreendi então porque é que o homem despeja meio saco - e ir mordendo as bagas misturadas na boca.

Tentei.

A primeira mordida foi tão azeda que pensei que finalmente ia ficar com o cabelo liso!

O rapagão ralhou. Tinha de as misturar.

Misturar bagas é comigo.

As bagas de Gogi, as bagas Inca e as amoras brancas foram devidamente abanadas ...

... Digamos que não são absolutamente divinais.


Seja como for, é bom que experimentem. É provável que bagas destas não se encontrem por todo o lado e, como todas as raparigas sabem, mais vale ter duas bagas na mão do que ver o pacote a passar.  

Posto isto e após ter roído o melhor que consegui o milagre das bagas, desatei a matutar nas manobras e malabarismo que usualmente se fazem para manter o corpo são e a mente o melhor que se pode, sempre de acordo com as normas vigentes.

Torna-se fácil concluir então:

É extraordinária a quantidade de gente que corre sem paisagem; que pedala em bicicletas sem rodas; que cola aos braços aparelhos que contabilizam as batidas do coração, que medem a largura e o comprimento dos passos que são dados, a quantidade de metros percorridos e a quantidade de braçadas; as vezes que se inspira, que se expira e a qualidade de calorias que se gastam na quantidade de suor que é medido por outros aparelhos que se apensam.

É extraordinária a quantidade de músculos que se querem ter tonificados - os nossos, mas também os do vizinho de passadeira de ginásio -; o peso das couves que se espremem para unir o sumo a pitadas de gengibre e bagas doidas diluídas num detox fit que nos dá saudades do velho clister, e  a quantidade de vezes que se mordiscam pepitas de aveia, de linhaça e de sementes de papoila ao som de uma batida que nos comanda os saltos.

Vigia-se o fígado, perscrutam-se os pulmões, espia-se o coração, indaga-se o baço, espreita-se o estômago e espiolham-se os intestinos, pois há que ser fit, há que permanecer em excelente forma física e mostrar ao mundo que se é saudável, que se está em condições de esquecer o cérebro.

 

É extraordinário tentar perceber como será difícil a esta nobre gente tão detox, lidar com o envelhecer.

 

É tão quase tão extraordinário como reconhecer a tristeza que se sente quando se percebe que que é incomparavelmente mais feliz e mais vivido ter como banda sonora da vida - um só exemplo - a Slave March de Tchaikovsky, comandada por Pletnev, depois de um cozido à portuguesa, em substituição da batida ensurdecedora da aula onde se envelhece zumbando bagas muito fit.