24.11.21

A Gaffe sem óculos

24/11/2016

Jon Whitcomb

Todos os banqueiros portugueses possuem uma característica comum imprescindível para que sejam reconhecidos:

Usam óculos na ponta do nariz.

Não são óculos normais. Trazem um dispositivo que lhes permite o alongamento das hastes de modo a que nunca deixem a sua posição de equilíbrio à medida que o nariz se vai alterando.

A ponta do nariz dos banqueiros portugueses, falidos ou não, é essencial à sua performance perante as comissões parlamentares e na apresentação de resultados dos bancos que lideram. Pousam as lentes ali, inclinam ligeiramente a cabeça para baixo, pousam os olhos nos apontamentos que trazem, de cantos da boca descaídos, cabelo brilhantina, punhos adornados e gravata regimentar, para depois erguerem as pupilas deixando um imenso espaço branco leitoso ao serviço da intimidação.

De pupilas a espreitar por cima das longínquas lentes, adquirem o aspecto de quem foi possuído por Belzebu, mas que o dominou e o colocou ao seu serviço, pronto a descarregar matéria esverdeada sobre a reverente plateia. A ameaça normalmente é cumprida.  

Os óculos na ponta do nariz têm a mesma função que um estetoscópio a fazer de cachecol. Convence. Podemos vaguear em qualquer hospital, tornarmo-nos anjos da Morte, assassinos psicopatas de sangrenta seringa em punho, assobiar Kill Bill nos corredores das enfermarias, sacar os sacos de ostomia para os vender no mercado negro como carteiras Prada, traficar órgãos e drogar a equipa de cirurgia com anestésicos que surripiamos ao paciente, desde que usemos bata branca, estetoscópio enrolado no pescoço e um ar gelado de quem saiu da morgue há pouco tempo. Se usarmos óculos na ponta do nariz, somos banqueiros e se acrescentarmos a morgue à equação, para além de podermos fazer exactamente o mesmo, arranjamos sempre modo de driblar a maçada das contas sem nunca termos tido conhecimento de qualquer assunto menos nobre.

Quando for grande a Gaffe não quer usar óculos na ponta do nariz. Não tem nariz para tal. Prefere apresentar os sorteios dos jogos da Santa Casa num canal de televisão. Apesar de se ficar verde com o reflexo do painel de fundo, de exigir uns bons dez minutos por semana de excelsa criatividade, é muito menos cansativo e as bolinhas a subir compensam a falta de visão.