24.11.21

A Gaffe comentadeira


A comunicação social - sobretudo a televisiva - tem sido um manancial de petardos jornaleiros e de atentados à língua portuguesa. Um conjunto jornalístico de meninos e de meninas que parecem saídos da geração que protagonizou a primeira edição de Morangos com Açúcar, correndo desenfreado, com batido dos ditos na gramática, de microfone em punho, à procura do terrível nós fazemos a notícia.  

Ouço uma esgazeada moça aos gritos a perguntar sucessivamente a uma mulher que se manifesta nas ruas, se aquela é a primeira vez que participa nesta manifestação. Vejo outra a empolar as coisas com um sonoro arrebentou um petardo na avenida. Pasmo quando o Presidente entrou dentro do carro e saiu. Fico sem saber se Marcelo saiu para fora do carro porque se esqueceu da pochete ou se foi o carro que saiu para fora do palácio com o presidente que entrou lá dentro. Há alguns que conseguem ter uma certeza absoluta, outros que dão conta do acabamento final e ainda os que se estreiam pela primeira vez, embora já tenham viajado pelos países do mundo há muitos anos atrás, mas que comparecem pessoalmente no evento, encarando de frente o pequeno pormenor que é a climatologia geográfica.

Já não falo dos mais velhos sacrefícios que temos de fazer para desculpar o treuze e a pessoa humana de Miguel Sousa Tavares; já não falo dos resumos totós depois de termos ouvido todo o paleio debitado; já não falo das pormenorizadas descrições do que estamos a ver - agora o presidente entrou para dentro da sala, a tentar que ninguém perceba que traz uma ventoinha no rabo, e dirige-se neste momento ao palanque  com muitos papéis na mão; já não falo do escândalo que é ouvir e ver sem reagir um encadeamento noticioso que faz seguir à reportagem que esmiúça, até nausear, qualquer tragédia - com uma banda sonora de filme de 5ª categoria, - o apontamento que refere com glamour a visita do comissário aos pobrezinhos ou nos mostra o rabo do príncipe Harry ou o chapéu da duquesa de York; já não falo dos atletas que venceram medalhas e nem quero saber da presidenta do FMI.

Já se está por tudo.   

O que é absolutamente extraordinário e digno de nota e espanto é constatar que - na estreia da tão rigorosa CNN Portugal -, os tão apregoados, tão escrupulosos, tão exigentes, tão despojados, tão verdadeiros e tão depurados jornalistas do noticiado foguetedo amaricano consideram digno de ser chocalhado mais um momento de comentário político - habitual - de Marcelo, desta vez a um eventual indulto ao banqueiro vigarista.