10.11.21

A Gaffe Magazine

A Gaffe editora
17/107/2017 


A Gaffe decide-se pela edição e torna-se detentora de uma revista cujo primeiro número aparece neste exacto momento e em primeiríssima mão.

A capa é em inglês apenas por duas razões:
- A necessidade de a internacionalizar a muito curto prazo;
- O facto de ser parolo.

Todos sabemos que neste recanto à beira-mar plantado o parolo vende que é um disparate - que o diga, por exemplo, Miguel Araújo que de acordo com Fátima Campos Ferreira passa a vida a cantar em inglês.

A Gaffe encontrou sérias dificuldades na escolha do tema de abertura a destacar na produção da capa. O ideal seria aproveitar um assunto disponível, fácil, logo ali à mão, capaz de criar controvérsia, originar discussões monumentais e todas imbecis nas redes sociais, com insultos execráveis logo ao lado de dissertações patéticas acerca do focado.
Chegou a pensar na fotografia de Gentil Martins com uma pequena transcrição das suas opiniões, eivadas de preconceitos, acerca dos homossexuais - opiniões esbardalhadas em ambiente oficial e não no aconchego do lar em amena cavaqueira com um amigalhaço -, mas este querido e admirável cirurgião, que não tem lido muito a documentação oriunda da OMS - DSM e CID-10 é que nem cheiro - que lhe é entregue, já nem uma vedeta americana reconhece nos passeios por Lisboa. Pertence ao início da era pré-Madonna em que, como se sabe, a comunidade gay se confinava ao armário dos medicamentos e não saía muito, nem abundava nas Semanas de Moda e na Moda Lisboa.
Apesar de se poder tornar numa capa jeitosa, não renderia o ambicionado.

A verdade é que não é de todo imediato encontrar livre um nicho susceptível de ser aproveitado para gerar dividendos e nos pagar as férias na Grécia – Antiga o mais possível, que é na Antiguidade que há muita Mykonos à solta - e em simultâneo capaz de nos catapultar para o palanque das heroínas que empunham as bandeiras de causas esmagadas pelas opressões sociais e de nos entronizar como defensoras de determinados grupos ou específicas minorias.

A revista CRISTINA açambarcou esta vertente, aproveitando dois homens que se beijam e duas mulheres nos mesmos preparos, para esbardalhar na capa como se fossem surpresas. É evidente que a Gaffe ficou sem hipóteses imediatas de ganhar uns valentes trocados e ser santificada ao mesmo tempo.
Pelo sim, pelo não, decide manter as âncoras no mesmo oceano e abordar o tema tão adverso a Gentil Martins, mas com uma pitada de suspense, que não fica mal, e uma ou duas insinuação de cariz mais intelectual que vão despertar a curiosidade aos eventuais compradores mais cerebrais. Depois, meus caros, o tema desta forma abordado e aproveitado é bem capaz de transformar a Gaffe em ícone das minorias e em simultâneo aumentar-lhe significativamente a conta bancária.

A revista não tem conteúdo. Não tem nada dentro. Só tem a capa.
A Gaffe garante que esse o único ponto comum entre a GAFFE Magazine e a revista CRISTINA.


A Gaffe - The  Comeback
18/08/2017


A Gaffe tinha planeado uma rentrée repleta de paisagens enevoadas, misteriosas, místicas, cheias de árvores tocadas por farrapos de névoa, de abismos rochosos, de ruínas cinza de castelos funestos, de pedras milenares rasgadas por inscrições rúnicas – ou coisa assim parecida, a atirar para o celta, com um travo gaélico e uma pitada de gaita-de-foles das Terras Altas -, mas cansou-se de ouvir bocas abertas a exclamar por tudo e por nada:

-  Pas de mots!

- No words!

- Keine Worte!

- No comments!

- Indescriptible!

- Unspeakable!

- isto a gente até fica sem dizer nada!

Ficou exaurida de tanta ausência de narrativa cuética e acabou por considerar um achado juntar-se ao grupo dos emudecidos. Não dá trabalho de gabinete de escrita criativa e poupa o imenso esforço que seria tentar não ser uma imbecil a juntar palavras como quem faz uma legenda floreada para uma fotografia medíocre.  

Em resumo:

- Le paysage écossais? Pas de mots.

Ficamos assim, abrindo caminho para o que realmente é de considerar descritível.

O mistério dos Kilts.

A Gaffe assistiu, num lugarejo muito típico - o que por vezes significa que guarda as botas do Demo e que ninguém lá quer morar, mas que é maravilhoso pasmar de quando em vez com os seus costumes e com as suas tradições, a sua arquitectura, as suas ovelhas, as suas cabras, as suas particularidades, a sua falta de chuveiro e de net em condições -, a um torneio escocês.

Absolutamente colorido! Uma espécie de Benetton para adultos, muito adultos, muito adultos, quase bêbados, enfiados num estádio circular improvisado e repleto de bandeirinhas, brasões a esvoaçar, mastros garridos com cordas que sustentam as tendas de lona com formatos circenses, gaitas-de-foles por todo o lado a azucrinar os ouvidos de gente inocente - ninguém imagina a inferneira medonha que uma colecção de porcarias daquelas debaixo dos braços e sopradas, todas, ao mesmo tempo consegue fazer! Semelhante, apenas no encontro anual das corporações de bombos europeus em Pasmaceiras de Baixo. Deus meu! A Gaffe até ficou com o cabelo frisado e sentiu nela despontar a vontade pérfida de enfiar as gaitas nos olhos - em todos - dos donos e obrigá-los depois a bufar até aquele gaitedo gritar e zoar nos confins do Inferno.    

Os banquinhos, muito baixinhos e articulados, disponíveis para alapar rabos e olhos sem cansar os pés assemelhavam-se aos que as senhoras levam para Fátima para regalo traseiro, enquanto esperam de modo mais confortável a procissão das velas ou o adeus à Virgem – e nunca a comparação foi mais certeira, pois que trataremos de uma certas velas e de eventuais despedidas ao estado que desaparece num pestanejar de lenços. Uns minúsculos quadradinhos de pano seguros por quatro pernitas que se podem dobrar, permitindo um transporte fácil e muito leve.

A Gaffe escolheu o de lona azul, abriu-o e sentou-se. Ficou tareca, marreca e tão longe da elegância como um cão que se prepara para obrigar a dono a usar um saquinho de plástico, mas resistiu estoicamente quando ouviu a mana a prevenir:

- Se te sentares aí, vais ter de fazer muito esforço para conter o entusiasmo …

Entraram os clãs identificados pelas cores dos Kilts, ao som daquelas coisas sopradas e apertadas que, a Gaffe aposta, também afastam javalis e mataram pela certa os bichos com chifres que nos olham muito sérios com a cabeça colada nas paredes. Bandos de rapagões medonhos, brutais e brutos e bestiais. Manadas de músculos. Muralhas de pregas. Muros de pêlo ruivo por todo o lado e urros de ursos a fazer vibrar os banquinhos pequeninos e abismados onde trememos com o tremor de terra.

Os kilts a dardejar testosterona, trazem na frente, seguras por tiras de couro trabalhado, as pochetes - têm nome próprio, mas que se varreu logo ali no meio com o susto -, de trinco de metal, corpo de pele de corça ou potro e rabinhos de felpudos e fofinhos bichinhos mortos à paulada, prontas a impedir o mover do pano quando se erguem ventos mais ousados; os troncos vestidos por t-shirts que deformam de tão justas os brasões estampados e as botifarras duras e puras como toda a verdade, fazem com que a Gaffe se pense de repente esmagada pela rebelião de William Wallace.  

Separam-se os clãs.         

O segredo esconso dos kilts está em vias de ser revelado. Várias vezes ...  

 Os jogos vão começar!

A Gaffe vai num instantinho engolir um Whisky duplo para os descrever no próximo episódio.  


A Gaffe modificadora

07/03/2028


Morrer de amor é sempre um plágio.

Ninguém, depois de Romeu, morre de amor de forma original.

Matar - literalmente - por amor, é ocorrência que não existe. As motivações dos assassinos são sempre distintas do nobre sentimento, embora inquérito recente e bastante fiável, nos tenha revelado que uma assustadora percentagem das nossas jovens universitárias admite, aceita e normaliza, uma dose de violência no namoro que exclui aquelas tolices de Mr. Gray. É mesmo pancada sem glamour ou pitada de pimenta.

Resta-nos um matar metafórico que consiste nas sucessivas tentativas de levar ao suicídio a personalidade de quem amamos.

Somos peritas a tombar de amor por rapagões que colapsam ao nosso encanto, que perto de nós tremelicam, que cavalgam perigos e desbravam mato mesmo sem ordem da Protecção Civil, que esfolam a alma nas esquinas dos nossos desejos, que nos colocam brilhantes no dedo apenso à noiva que somos mesmo sem saber e que aceitam estoicamente os dias em que acordamos desgrenhadas.

Apaixonamo-nos por sacanas, por patifes, por rufias, por génios, por heróis, por deuses que passeiam pela brisa da tarde, por anjos, por demónios e por coisas BOAS - podem não existir coincidências entre as categorias referidas e esta última -, exactamente porque são aquilo que vemos.

No amor, temos sempre a consciência do erro quando o cometemos. Sabemos com clareza que aquela barba estupenda esconde a cicatriz do mafioso, ou que aquela careca é evidente repercussão de santidade franciscana.

Matamo-los com amor.

O nosso primeiro instinto assassino é aproximar o pobre bicho do animal de estimação com que sonhamos desde a tenra infância enquanto, vestidas de princesas ou de fadas, massacrávamos o pobre rapazinho de folguedos pueris, ao perceber que a varinha de condão não funcionava - a dele, pois que era cedo, embora nos tentem convencer  depois que interessa apenas a magia.

Somos capazes de obter um gatinho a partir de um tigre e um tiranossauro a partir da porcaria do peluche que nos coube em sorte. Conseguida a proeza, o homem por quem nos tínhamos apaixonado, já está morto.

O nosso amor, neste fenómeno específico, é uma arma poderosíssima e se a mansidão, a sedução, a manipulação amorosa, ou a nossa nudez esplendorosa - e o que não se diz, por ser secreto -, não funcionam, encontramos sempre os alfinetes em brasa para acabar com a treta.


A Gaffe todas as manhãs

09/02/2019


Ou então apostemos em ser apenas, ou amadas, ou odiadas. Shakesperianamente sabemos que, da primeira forma, ficaremos no coração de alguém e que, da segunda, ocupar-lhe-emos a cabeça. 

A Gaffe murada
24/03/2019

O trágico é aplaudirmos os que prometem construir muros que nos protegerão do invasor, sem percebermos que o inimigo está cá dentro. 


A Gaffe criminosa
08/07/2019


A nossa passiva inocência perante o crime que vemos cometer, é como a cegueira do carrasco.

Vendo, atingimos o pescoço da vítima, mas acreditamos que nos basta o capuz da inocência para cegar a cumplicidade do nosso silêncio sem gesto.


A Gaffe ensopada

14/11/2019


Por vezes, o optimismo é apenas uma forma de se representar o trágico com uma nota de esperança.


A Gaffe confinada
02/04/2020



A Gaffe cativa
10/04/2020

O que se repete de forma constante, pode nunca deixar de ser verdade, mas é atenuada, com a insistência que banaliza, a percepção da importância do dito. A verdade às vezes torna-se apenas um slogan e quase todos os slogans são, numa análise primária, actos de publicidade.

Pese embora a repetição seja uma manobra de eficácia publicitária comprovada, usada e abusada por quem sabe, a consciência aguda de determinado facto - nos casos em que o slogan cumpre a sua função, apresentando-nos um imaginário que afasta o real -, é acordada apenas quando é o indivíduo a sofrer no corpo a veracidade do cartaz.