Niilas Nordenswan |
Está tudo pronto.
Sinto-me finalmente tranquila e capaz de me deliciar com o único rasgo de talento publicitário que me seduziu. Longe de historietas de ratazanas, longe de narrativas de famílias felizes e de duendes de pacotilha, deixo-me seduzir pelo anúncio de um carro. Um Mercedes escarlate que segue na cauda de um leque de tantos outros prateados, guiado pelo Pai Natal que trava a comitiva para que um dos presentes, um cachorrinho, possa pudicamente levantar a patita atrás de uma árvore. Uma ternura narrada de forma excelente e capaz de tocar todos os públicos.
Finalmente sou capaz de serenar.
Está tudo pronto.
As decorações de Natal restringiram-se ao máximo. Nas jarras há troncos belíssimos de azevinho cortados da árvore que endoideceu e se agigantou encostada à parede da casa. O presépio pousado de novo no móvel de laca preta e a coroa de Natal, poderosa, a pesar toneladas, a encabeçar a lareira da sala onde se jantará. Foi necessário usar o prego fortíssimo que sustinha o espelho. É uma coroa maciça de porcelana branca, enorme, construída de pinhas e de folhas de carvalho entrelaçadas. Disseram-me que os dois elementos representavam as Boas-vindas e a Fidelidade. Nem sempre estão unidos. A parede nacarada atenua-lhe o impacto, mas sei que o fogo, mais tarde, lhe entregará reflexos dourados, ruivos e azulados.
A ementa preparou-a a Jacinta. Ninguém - jamais - se atreve a invadir-lhe as decisões culinárias.
Na minha frente, o meu Amigo lê.
Tem pousado no braço do cadeirão um volume grosso que vai
consultando à medida que o livro que vai folheando origina dúvidas.
Mancha sempre o soalho de madeira com as botas sujas de jardim. Deixei de lhe
pedir para ter cuidado. Ouço-o sempre pedir desculpa e arrancar a esfregona das
mãos de quem limpa para envergonhado suprimir a falha. Vai voltar a sujar tudo
de novo e vai voltar a suplicar perdão agarrado àquilo. Comporta-se como o
Natal. Entra e macula com as botas o soalho da casa, senta-se depois na minha
frente e entrega-me a mais surpreendente das serenidades, apaziguando o espaço
preso nas folhas. Nas folhas de uma coroa de porcelana branca.
Começaram a chegar desde ontem.
A casa está em sossego, apesar de tudo.
A minha irmã chegará mais tarde. Minutos antes da ceia.
Travará o carro, abrirá a porta e deixará o perfume sair para alçar a pata na árvore endoidecida de azevinho.
A Gaffe e a árvore de Natal
São amorosas as propostas de árvores de Natal que surgem por tudo quanto é lado!
Elas são de tábuas, de vidros, de canudos de papel
higiénico, de novelos de lã, de garrafas vazias de whisky - neste caso é
compreensível o desarranjo -, de papelinhos, de luzinhas suspensas, de retratos
de família, de rolhas, de espuma, de embalagens de gel de banho, de livros
coloridos, de cestos de fruta, de pauzinhos secos, de peluches e de tudo o que
nos queiramos lembrar.
Um universo de criatividade sempre disponível no Natal.
Normalmente é um aborrecimento reproduzir na sala estas
propostas. Nunca ficam tão radiosas como as das fotografias e enchemos os dedos
de cola que custa imenso a sair e dificulta o trabalho à manicure. Quem
não for talhado para a bricolage é brindado com um pesadelo
natalício.
Meus caros, aquilo que nos mata de trabalho deve vir já
feito. É por alguma razão que os chineses vendem árvores de plástico já
decoradas.
É uma maçada desatarmos a recolher coisinhas para construir
o que se pode perfeitamente comprar já completo num armazém qualquer. Poupamos
imenso tempo que depois podemos gastar a escolher os presentes.
As árvores de Natal originais, muito recicladas,
muito in, que a nossa vontade de inovação apanha fotografadas, são como os
cigarros que se preparam a uma esquina deprimente da vida. Existem já prontos,
empacotados, matam da mesma forma, só que são mais baratos.
Uma árvore de Natal tem de ser o tradicional e gigantesco
trambolho verde vestido de luzinhas, bolinhas, fitinhas, estrelinhas, anjinhos
e tralha a brilhar, capaz de fazer tropeçar a travessa das rabanadas que se
esqueceu que o gigantone se tinha erguido há uns dias pelas mãos calejadas do
Natal das nossas memórias.
A árvore de Natal tem de ser verde, gorda, farfalhuda,
grande, maternal, profusamente enfeitada com insignificâncias que cintilam,
quente, refulgente, envelhecida e ficar espapaçada na sala a ocupar o lugar da
poltrona da avó.
O resto é mariquice, mas se não concordam comigo, meus
queridos, podem sempre experimentar a proposta que vos deixo.
A Gaffe a planear o Natal
- Recordo-te que a tralha natalícia é como o Jeffrey Epstein.
Não se dependura sozinha.
Mana