Evelyn McHale tinha 23 anos e acabara de se despedir do noivo. Subiu ao 86º andar do Empire State Building, onde fica o deck de observação, e atirou-se.
Deixou um bilhete no qual dizia que o rapaz seria mais feliz sem ela.
Não poderei ser uma boa esposa para ninguém.
O estudante de fotografia Robert Wiles ouviu o estrondo assustador e captou a cena quatro minutos depois.
Foi catalogado como O mais belo suicídio do mundo.
É uma imbecilidade o título que ostenta. É de certeza uma das mais belas fotografias de um suicida, mas o trágico absoluto não pode ser tratado com leviandade glamorosa.
A extraordinária feminilidade da suicida, a sua imensa fragilidade enluvada, o recato do gesto que segura o colar e a serenidade do rosto que parece adormecido, contrastam com a animalesca força da morte, com o desumano estilhaçar do corpo e da alma de uma rapariga que decidiu calar todas as dores.
Mais uma vez a dor e a morte produzem boas fotografias.
É uma brutalidade perceber que Evelyn poderia perfeitamente ser a capa da Vogue.
Depois da impressionante fotografia eivada de trágico mistério, é fácil desviarmos a atenção para outras - uma delas foi mesmo usada por mim para encimar um rabisco meu há alguns séculos -, que, não sendo de especial beleza, são interessantes, sobretudo porque trazem apenso um desconhecimento total da mulher fotografada a entrar num mar dos anos 50.
Os negativos encontrados por Meagan Abell revelaram o local onde foram captadas as imagens - Dockweiler Beach, na Califórnia - mas nunca a identidade das mulheres retratadas - pois que existem mais do que esta.
A soturna luzência destas histórias por saber que invade ambas as fotografias, fornece-lhes um fascínio inusual, uma possibilidade de apropriação por terceiros dos signos que transportam e sobretudo uma perigosa projecção das nossas mediocridades nas protagonistas que continuam submersas em segredos, elevando-nos desta forma a um estatuto que se adquire com a capacidade de encarnarmos o fascínio dos mistérios.
Torna-se quase irresistível, pela disponibilidade, uma identificação com o que nos permite o paradoxo de recuperar o que nunca foi nosso, mas que nos permite recontar, reinventar ou fingir que deixamos de ser confrangedoramente banais.
Mentimo-nos porque queremos em desespero mudo acreditar.