31.1.22

A Gaffe num passado eleitoral


A Gaffe atribui grande importância à eleição da Miss Universo. É tão simples!

As candidatas são giras, não maçam muito, sabemos que querem em uníssono acabar com a guerra e com a fome no mundo, mas que a duração do mandato permite apenas acabar com a delas e ninguém apanha a surpresa de as ver fazer o contrário do que dizem. Nelas, o inverso do Nada é uma questão filosófica e toda a gente sabe que a filosofia é para aqueles que têm imenso tempo livre.

A Gaffe, nas campanhas para a Assembleia da República, não espera ver os candidatos em fato de banho e embora tenha tido o choque de ter de se esbarrar com uma espécie de derradeira nudez de Francisco Rodrigues dos Santos, considera o acidente um percalço isolado e prefere avaliar outras miudezas.

A verdade é que, nestas ocasiões, uma rapariga esperta fica sem cenários adequados. O amontoado de gentalha mal vestida, as feiras de gado, as ruas apinhadas de paus e de panos com padrões absolutamente pindéricos, a papelada que se desperdiça – a Quercus devia congratular-se. Mais uma campanha e ficamos sem a época dos incêndios! - e a barulheira descomunal dos tachos e dos apitos, impedem que qualquer pessoa de bem possa interpelar o candidato, pedir um autografo a Mariana Mortágua - que enfrenta banqueiros como uma Valquíria, mas que se torna liliputiana na frente do povo -, ou apalpar o rabiosque a João Galamba.

A Gaffe vai restringir-se, em consequência, aos candidatos mais proeminentes, deixando, por exemplo, o Tino a RIR longe da ribalta, apesar de ser mimoso vê-lo empolado e empolgado a tentar apertar toda a gente com sorrisos salivados ao mesmo tempo que procura perceber o que se está a passar ao lado, ou Ventura a berrar que os vai LIQUIDAR A TODOS. Não se atreve a tocar no PAN, porque tem medo de ser morta por ofensas aos bichinhos, nem no LIVRE, porque está fidelizada à MEO e não pode rescindir contracto.

Resta-lhe o habitual.

António Costa aparece como um tio bonacheirão. Toda a gente sabe que a eternidade é um tio desses que nos promete a fortuna se dele cuidarmos. Acabamos sempre por descobrir que vai estourando as moedas que tem, ou que terá, com as mulheres da má vida e ministros apressados. A Esperancinha, dizem, ronda cada esquina. Veste-se de verde. Vem um burro e come-a.

A Gaffe passou a ter medo de Rui Rio, depois de ter vivido num Porto por ele presidido.

Desvia os olhos quando o senhor fica irritado, com um bicho alemão espalmado no púlpito e um globo ocular gigantesco no horizonte pronto a cortar nas despesas, sobretudo aquelas que não dão retorno ou lucro. A Gaffe fica arrepiada quando o ouve a modelar o discurso aproximando o timbre das catequistas anzoneiras de província ou das beatas que dentro dos missais escondem estampas pornográficas. A Gaffe sente que Rui Rio é o sinistro gato - sempre o mesmo - que aparece nos colos dos mauzões. Ninguém sabe o que lhe acontece quando os vilões são apanhados.

André Ventura desaparece, eclipsa-se, evapora, não existe, porque Inês Pedrosa e outros que tais, apaniguados da omissão fonética aniquiladora e do realismo mágico, se recusam a pronunciar-lhe o nome. Está portanto arrumado o assunto.Ventura não há, se não o chamarmos.

Cotrim de Figueiredo parece ter qualquer coisita enfiada no rabo, mas não quer que o eleitorado se aperceba disso. Sorri, como quem abre um figo com os dedos. Dir-se-ia, caso quiséssemos ser cabras - e nunca o desejamos -, que foi de plástico numa anterior encarnação e que ambiciona voltar a sê-lo num futura. Entretanto, é de barro, moldado na peanha de um liberalismo carnívoro e esfaimado.

Jerónimo de Sousa é o último pedaço que resta das Ideologias. A Gaffe lembra-se de Álvaro Cunhal, sem as sobrancelhas de carpélio, quando vê surgir este velho e calcinado capitão. Surpreende-se quando percebe que o respeita, porque sempre considerou uma tolice a insistência tenaz com que alguém se esbardalha. Simpatiza com Jerónimo de Sousa, porque reconhece instintivamente que mesmo nas derrotas, podemos sempre recusar a venda burguesa por grifar e mostrar o rabo proletário ao vencedor.

Catarina Martins é pequenina. A porcaria do ditado que a aproximará da sardinha, se não erguer a banca da oposição, é ameaça eleitoral. A peixeirada está macerada de contínua e o pescado de tão exposto cobre-se de moscas. Os eleitores esperam ansiosamente vê-la nua, vê-la depois de burka, depois de Índia Tupi, mais tarde de Louça e a usar as bananas de Carmen Miranda para a poder comparar com as rivais.

Inês Sousa Real é banal. Como toda a banalidade fica sem história, ou cola-se à cauda das histórias que passam.   

Elencados os candidatos predominantes, resta reparar na pobre gente que neles foi votar.

A Gaffe já só tem palavras esgotadas - porque gastámos tudo menos o silêncio, porque metemos as mãos nas algibeiras e não encontramos nada -, e uma fotografia avulsa de um dos eleitores. Eugénio de Andrade terá portanto aqui de bastar, em esperas inúteis, já que os elegíveis são iguais as Misses.