14.2.22

A Gaffe dos namorados

 


Ontem fintei, driblei, rasteirei, ignorei, assobiei, suspeitei e ameacei. Mantive-me longe dos monitores e nem sequer ousei molhar os dedinhos na net. Cravei os olhos mais ferozes nas ameaças possíveis. Afastei de mim todo o sorriso suspeito de trazer pieguices foleiras. Fugi de modo inexplicável de todas as estrelas que vi brilhar de forma ameaçadora nos olhinhos das pessoas. Inundei o gabinete de arame farpado de modo a frustrar toda a tentativa de doçura imbecil. Recusei olhar as montras e lancetei todas as frases que começavam por hoje, é dia de…

Resisti. Consegui. Cheguei ao fim do dia sem sequer ter ouvido falar de corações!

Foi só agora, ao acordar, que percebi pelo sorriso do rapagão a insinuar marotices que o dia dos namorados afinal é hoje.


Esta amorosa rapariga decidiu então escolher algumas das suas paixões que desde menina e moça até à sua faiscante maturidade a encheram de prazer.

Podia seleccionar obras de arte. Encontrar modo de as ligar a todas, um fio que as unisse como num colar de pérolas, mas a linha não passava pelo inevitável Fauno de Barberini e o colar partiu, tornou-se inútil.  

Decidiu escolher os homens que lhe mereceram a maior das atenções. Amores que vai guardando nas salas enevoadas do seu coração. Encontra-lhes o que a fascinou e é ousada, porque sabe que nenhum percorrerá estas avenidas. Iniciaram já a viagem que termina no esquecimento. Em cada um deles descobriu um pedaço do sonho que quis muito. Se unidos os dispersos retalhos, a Gaffe encontraria o Paraíso.

Paul - O rapaz que gostava de navios e que sonhava naufragar nas suas mãos. Nunca uma onda lhe salgou a alma. O macambúzio. Zangado com o Universo inteiro, amava o tigre que dizia ver crescer nos olhos de todas as marés.

Asher - Filho de Baruch, o de Israel. Abençoado e perfeito, de olhos sem País.  

Guillaume - O aranhiço de olhos negros e livros pesados pousados na mesa redonda de um café junto a Nôtre Dame. Se lhe tocássemos sem cuidado extremo no azul dos olhos, havia estilhaços espalhados pelo chão.

Pedro - ... Qui frôlera tes lèvres et vibrant de fièvre surprenant ton corps, deviendra ton maître en y faisant naître un nouveau bien-être, un autre bonheur? Qui? nul ne peut le dire. Qui? Nous n'en savons rien et mon coeur se déchire en pensant que quelqu'un te prendra ce je t'aime et par ce je t'aime, je le sais déjà, Il prendra ta bouche, Il prendra ta couche et m'enterrera pour la seconde fois.

Jeremy - … Autumn comes, Summer dies. I see the passing of the years in your eyes, and when we part there will be no tears no goodbyes. I'll just look into your eyes. Those eyes, so wise, so warm, so real. How I love the world your eyes reveal.

Ricardo - Uma cicatriz no Douro. 

Escolheu sempre os homens certos, mas sempre os abandonou ao frio destas suas Avenidas sem Brasil.

No amor a totalidade não é conta de somar.