A sala cheira a couro antigo e é forrada a música de Diana Krall.
Os homens, todos jovens, beberricam café e mulheres, todas jovens, que usam um glamour pouco convincente, como se viesse colado à laca ou fosse moldado com os ferros de frisar com que forçam os canudos dos cabelos.
Na parede um painel gigante mostra em silêncio o desfile de alguém. Uma rapariga avança, fémur após fémur, tíbia e perónio, perónio e tíbia. Tem os olhos ocos e o esterno é visível através da textura fina do tecido.
Os homens esbugalham-se. As mulheres bulotulizam-se. A rapariga que passa no painel gigante é anoréctica.
Os homens excitam-se enervadinhos, emproadinhos, desagradados perante a doença que é exibida. As mulheres fecham os olhos e fazem oscilar os canudos do cabelo, considerando mesmo negar o que ali se tenta manter de pé.
Se observar com mais atenção, cuido perceber parte da excitação do discretíssimo tumulto. Eles deixam assim de desejar, jamais podendo ter, as mulheres que passam nas passerelles perfeitas. Elas em segredo acreditam que desta forma conseguem finalmente povoar as passarelles do desejo deles.
A rapariga do painel desaparece manipulada por fim até aos ossos.