Weegee - Empire State Building, NY, 1942 |
Hoje está sol. Prefiro o vento e a chuva que me arejam as noites. Mesmo de noite o sol faz suar. Suei toda a vida. A vida foi madrasta e sempre fui tratada como um trapo. Trapos são os velhos. Velhos são os trapos. Não uso trapos caros. Visto-me com simplicidade e aproveito tudo o que tenho até ao fio. Tenho um fio de ouro que herdei, mas que não posso usar, porque tenho medo que me julguem rica. Ricas são aquelas que chuparam o sangue dos que se esforçaram. Fazer esforços faz-me mal, que sou doente. Há doenças que nos apanham sem contarmos. Eu conto o dinheiro que gasto e sei que não chega para grandes festas. As festas das ricas afrontam os desgraçados. É uma desgraça o que a vizinha faz aos bichos. Há animais que são melhores que os donos. A dona da tasca é uma galdéria. Galdéria é também a vizinha que diz palavrões a toda a hora. As horas que passo a roer os ossos, não lhes vejo fim. O fim está próximo e todas morremos. Morremos sem nada e deixamos tudo. Tudo o que temos são umas cuecas honestas e por estrear e o dia-a-dia. No dia-a-dia temos de ser como o vento que nos levanta as saias, mesmo quando usamos uns saiotes fortes. Fortes são os comprimidos que deixei de tomar e que me acalmavam. A calma faz falta e ajuda a ter paz. Nunca tenho paz, porque todos me odeiam e acham que sou gorda. Gordas são as ricas, mesmo as mais fininhas. O fino que bebi na tasca do lado fez-me azia. A Ásia vai mal e há terrorismo. O terror é o mal nos meus tornozelos desde que incharam. Não incho porque sou humilde e sei que sou pouco. O pouco que sou é melhor que o muito daquelas flausinas que se acham boas. Boas verdadeiras são as que se dedicam a causas que valem a pena. Pena é que não olhem para mim porque viam como sou talentosa e muito esperta. Esperta como um rato. Os ratos são nojentos e prefiro gatos. Os gatos são livres e só ligam à casa. A casa da vizinha é uma pocilga. Há pocilgas que estão mais limpas do que a casa da outra. A outra não comenta aquilo que faço. Faço tanta coisa e ela não vê como sou bondosa. A bondade é boa. Boa como milho. O milho são as pérolas das porcas. Porcas? Ai! que lhe vou ao focinho que a mulher já me insultou!
Hoje faz sol e eu sou insultada!
Há gente que vive assim!