23/02/2015
O conflito de gerações pode parecer nulo quando a
proximidade e a cumplicidade parecem fazer dele um ligeiro atrito que surge
quando se percebe que existem opiniões que não são convergentes acerca dos
óscares.
Para evitar este gotejar de inutilidade, a Gaffe e a sua
estimada avó decidiram substituir a célebre noite de gala de transmissão em
directo, por uma fita com peso e medida capaz de originar um debate acalorado
acerca da fidelidade ou da infidelidade do que se vê ao que se leu.
Escolheram O Amante de Lady
Chatterley desencantado na estante de um dos rapazes da casa.
Sentadas no sofá, de mantas da Covilhã nos joelhos,
bolachinhas com pepitas de chocolate ao dispor, um bule com chá quente, preto
e comme il faut, as duas raparigas preparam-se para comparar D.H. Lawrence
com a adaptação de quem não lhes interessou saber o nome.
A primeira cena mostra uma loira Constance com
um bâton demasiado carmim que se despe ao som de uma musiquita
bastante ranhosa e ronhosa. Renda a renda, colchete a colchete, liga a liga, lacinho a
lacinho, a rapariga demora tanto tempo a tirar as calcinhas que a Gaffe começa
a suspeitar que não vai tão cedo sair daquele quarto. Nada que as embarace.
Estóicas, aguentam a nudez da moça até ao momento em que a rapariga começa a
acariciar-se e desata a gemer.
A Gaffe suspende as mordidas na bolachinha.
Sente os olhos da avó, de soslaio, a mirar o ruborizar da
neta que tenta manter a postura descontraída que começa a escapar pelas
paredes. Beberricam o chazinho.
O constrangimento agrava-se quando por ali dento entra um
compassado Oliver Mellors todo nu e, prolongando o gritedo da moçoila, reduz o
Kama-Sutra ao programa da Grécia, ou seja, a um conto de fadas.
A Gaffe espreita a avó preocupada. Receia que a senhora
esteja roxa, igual a si, de língua inchada e olhos desorbitados.
A Senhora, impávida, comenta os cortinados do aposento onde
o forrobodó é mais do que o previsto.
A Gaffe concorda e refere a beleza do móvel do fundo.
A avó gosta do castiçal.
A luz das velas do castiçal elogiado continuam a iluminar
nádegas ali, pernas acolá, maminhas soltas e espalhadas por demasiado grandes
planos e a Gaffe está segura que por instantes a clarear mesmo a pilinha do
acrobático actor.
A Avó refere a nouvelle vague e questiona a origem
do filme.
A Gaffe não sabe, porque apesar de meia hora ter passado
ainda não se ouviu ninguém falar.
O grande plano do rabiosque de Mellors encaixado algures nas
pernas da rapariga que não parava de gritar e de esfacelar as costas do
vigoroso rapagão, encontrou a Gaffe enregelada, a suar constrangimento, incapaz
de balbuciar fosse o que fosse e a desejar ardentemente que a avó tivesse
desmaiado. Por sua vez, sentiu a senhora petrificada, de chávena de chá
suspensa a olhar de lado sem pestanejar para o embaraço desta rapariga, só comparável
ao que sofreu quando tropeçou na cauda do vestido e
se esbardanhou escada abaixo na noite em que tinha decidido
conquistar o homem que a apanhou estatelada aos pés ou quando ofereceu no Natal
a caixa de jóias horripilante à pessoa que lha tinha oferecido no ano anterior.
Foi a entrada em cena de Clifford e a sua disponibilidade
nua, muito nua, e crua para se juntar àquilo que se via, que levou a concluir
que a obra não estava de todo bem adaptada.
- Valha-me Deus, querida! O seu irmão andou a ler a obra
errada.
Não tenhamos dúvidas. O choque geracional, por muito ténue
que seja, deve sobretudo ser evitado numa noite de óscares.