Paiul Strand |
Não era um bom vento. Tresandava a podre e a doença. Dos casamentos não chegava nota, que a morte tinha arrastado os noivos, empurrando os corpos para o rio.
O tifo galgava os penedos, depois de tombar nas margens putrefactas e desatado em fúria abria terreno nos corpos dos novos, que os velhos caíam de choro e de fome.
Morria-se.
A gente do Douro usava panos amarrados na boca, com algodão em rama dentro. Para a proteger do febre, que nos socalcos e nas margens do rio a maleita é masculina, já que às mulheres foram entregues os dons curativos.
- Tombaram como os espanhóis. A morte é diferentemente igual em todo o lado.
A memória da Guerra Civil espanhola assombra o meu velho Domingos, tão tenro na altura que dessa tragédia apenas retém o terror do febre, o nauseabundo correr da água encharcada em corpos e o burburinho das rezas envolvidas em lenços pretos, em raízes e terços lacrimejantes. Pesada e seca memória, como trovoada em mês de Julho.
- P’ra lá do Marão, mandam os que lá estão, mas no Douro manda o não.
O não como matador da esperança. Para lá do não caído sobre a terra, já nada é fértil. O não como o fim do tempo, como se nada existisse depois do muro erguido pelo amontoar de corpos já negados.
As mulheres carpiam este não isento de revolta.
Urdiam um não confrangido, de lamento, de desilusão irreversível, de perda, de ausência de espera no contínuo de vida ainda por viver.
Ainda existe este não aqui no Douro. Solene de incenso e de tragédia, de final profundo, de sinal da cruz, mas ficou aguacento e já de poucas lágrimas, para fazer de conta que é talvez, esse estrondoso lugar de redenção da esperança.
De Espanha corria o não dizível. Veio no Douro a tremular na água e a terra o abrasou, comeu, tornou raiz.
Regurgitou-o depois para mal do homens.