18.3.22

A Gaffe de granito


Hoje não chove.
Há frio como granito.

Levanto a gola do casaco – longe do mar, marinheiro, de um azul grosso de fazenda em terra – e sento-me na pedra do banco que foi do meu avô, naquelas tardes de gelo em que apenas ficava a ouvir os passos dos fantasmas que o Domingos dizia haver nas pedras.

- Ninguém morre aqui. Fica-se nas pedras. Sentimos latejar quando as tocamos.

Esta condescendência da morte alonga o tempo da memória e entrega ao inamovível a nitidez da presença do passado.

Olho, ao abrigo de um casaco sem moldura ou tempo, os rostos que vivem nas pedras e acredito no Domingos que é velho, velhíssimo, criança de tão sábio, e me diz que o tiritar das árvores é o som das palavras das pedras que trepam às copas, porque ninguém morre aqui. Fica-se nas pedras e são as pedras que tecem o meu casaco azul de terra audível.