A bala foi disparada pela boca armada em idiota de uma versão masculina da Ana Drago, mais volumosa, mais carnal e bem mais alta e musculada.
Discutia-se com resoluto calor a decisão de se erguer de novo uma outra guerra para parar uma guerra em trânsito e, insurgia-se o povo, nas reunidas mesas do pequeno-almoço, contra o domínio pardo dos Senhores da Morte, matilha de um novo czar, nos reposteiros do poder.
Embora tenha soado a mofo, muito portas-que-Abril-abriu, muito CGTP Intersindical, muito período azul de Picasso, o chavão disparado contra a Gaffe encontrou eco nos meandros e nos corredores da sua alma.
A Gaffe não tem Consciência Social.
Trinta segundos depois do início do debate tinha já deixado de ouvir e desviado a sua atenção para os peitorais do garboso interlocutor que, na sua frente, se adivinhavam na alvura da camisa e tinha dado início a especulações de carácter muito pouco político.
Concede. A indiferença da Gaffe é escandalosa.
Norte e Sul, Israel e Palestina, Cristão e Muçulmano, África e América Latina, Biden e Putin, Zelensky e o leste ucraniano, Le Pen e Macron, Ghandi e os Impérios, hemisférios tortos, subvertidos climas, extinções previstas, catástrofes erguidas no terror da cinza, furacões e ondas de miséria abjecta, canhões e cogumelos venenosos, sarampo e malária, o SARS-CoV-2 chinês, Amazónia em ferida, favelas e cabanas transalpinas e mesmo as mais perigosas das antenas de telemóveis ou de senhores de fato, são coisas de somenos para ela. Não pensa nelas. Não lhe dilaceram o dormir.
Culpada! Refugo da humanidade em chaga! Pária! Escória!
Humilde e indiferente insecto renegado, oriental bichinho acanhado e inútil, apanha o lixo breve que à sua entrada tomba, limpa o umbral da sua dócil porta e vagarosamente cuida das roseiras.