Os nossos olhos são tantas vezes olhos de olhar a véspera das coisas. Como se houvesse a espera das coisas que não vão chegar pregadas nos olhos, como se os nossos olhos fossem crucifixos.
Às vezes olhamos a alma vestida de trapos vermelhos a boiar no lago, mas os nossos olhos apenas conseguem ver a mancha escarlate das águas paradas à espera da nossa alma que nunca caiu vestida de trapos nas águas dos lagos.
Podemos entregar as conchas dos olhos àqueles que falam do amor que sentiram, mas quase nunca nos vemos amados, talvez porque na véspera do amor nunca fomos inteiros ou, se inteiros somos, nunca nos abarcam.
Às vezes, temos os dias quebrados, como os ramos das árvores perto das águas onde os bichos trepam. Temos bichos que trepam os nossos dias quebrados nas árvores pelas águas e nunca foi inteira a hora aquática onde se fecha a terra sobre os ramos da raiz e sentimos que nunca o nosso amor teve raiz.
Às vezes somos barcos, nus como os archotes.
Nunca temos nada e tudo se resume a ter. Na união recôndita dos escusos vidros que se tocam em ângulos partidos nas manhãs das vésperas, as esperas são laminadas, inúteis como os trapos que não vemos flutuar nos lagos de escarlate.
A nossa alma pesa como velha de vermelho, afogada na véspera dos olhos e na mais ínfima das horas dispersas, na raiz das águas, as ausências são pedras que se atiram, como se a superfície dos lagos planos e parados oferecesse o rosto a uma criança.
Dizemos depois que não nos enganamos, que tudo está certo, que já nada nos toca de modo a fazer doer, que da memória temos apenas uma ténue linha que não chega para nos laçar as mãos, que a mordaça que nos rasgou a boca já se perdeu na ferida que fechou.
Depois de dizer tudo o que dizemos, sentimos dentro de nós vidros quebrados.
No entanto, algures somos unidos, definidos, definitivos. Algures não há razão que nos separe. Podemos amanhecer em tons de branco ou transparente.