Já lá vão alguns anos que troquei o cinema por outro qualquer espectáculo onde não seja permitido comer pipocas.
Asfixio com o cheiro a pipocas. Longos metros ao longe sinto-as e longos metros ao longe começo a ter sérios problemas existenciais. Jamais assisti em CinemaScope, envolta numa nuvem de bem-estar cinematográfico, ao pranto de Scarlett O’Hara ou ao adeus da Bergman a Marrocos, porque temo esbardalhar-me ao lado de algum triturador sonoro de pipocas e morrer sufocada e surda.
A importação do costume americano de trincar alto e bom som coisas açucaradas no negrume de salas povoadas, destrói qualquer vislumbre de prazer, a não ser que tenhamos entrado num daqueles aposentos muito marotos cheios de gente muito dada.
Comer pipocas no cinema não é, de todo, BCBJ.
É tão charmoso como comer bolo-rei de boca aberta disparando migalhas pelos pobrezinhos; é tão elegante como as selfies, sobretudo os que se tiram à porta das cadeias; é tão inteligente como um um concorrente do Big Brother; é tão civilizado como o discurso de Ventura; é tão inocente como um político português que subitamente fala putinesco; é tão sofisticado como um tailleur de Mariana Vieira da Silva; é tão criativo como o penteado do Nuno Melo e tão próximo de ser promovido como um trolha ou um soldador de Joana Vasconcelos.
Comer pipocas no cinema equivale a usar meias brancas e chinelos no meio de uma recepção na embaixada russa. Mesmo pensando que não se nota muito, corremos sempre o risco de sermos envenenados.
Comer pipocas no cinema equivale a usar meias brancas e chinelos no meio de uma recepção na embaixada russa. Mesmo pensando que não se nota muito, corremos sempre o risco de sermos envenenados.