3.5.22

A Gaffe a arder no inferno


Vou arder no Inferno por toda a Eternidade.

Provavelmente sentirei desde já as brasas dos comentários anónimos que com certeza receberei, o que me permitirá uma adaptação ao clima e não me fará estranhar a forquilha do demo.

É forçoso dizer que não sou adversa a qualquer crença religiosa. Deus me livre! Gosto imenso do lema - de pé diante dos homens, de joelhos diante de Deus - do velho Bispo do Porto; gosto imenso de seminaristas; admiro as cores dos monges budistas; são fabulosos os cânticos hindus de índole religiosa; apesar de não simpatizar com vacas, tenho algumas a trabalhar comigo e mais que não se diz, por ser infindo, mas sou muito terra, muito pedra, muito bruta, muito pouco espiritual, muito má e raramente me lanço nos espaços siderais ou divinais sem o pragmatismo de uma escada.

Sendo assim, e fiel à minha costela científica, percorri com afinco os escritos católicos que por aqui lançam perfume.

Fiquei perplexa.

Além das orações intermináveis, da transcrição de salmos infindáveis e de versículos bíblicos ameaçadores que nos condenam a penar agruras se desviarmos um olho durante um segundo da face luminosa de Deus para o pousarmos na braguilha do pecador que passa, somos obrigados a assumir que somos todos uma multidão de gente má, infeliz, condenável, horripilante, digna de todas as torturas celestiais e capaz de assassinar a Madre Teresa só porque a velhinha não usa um véu em condições.
A bondade impera por todo o lado - inclusivamente nas barras laterais -, e as boas acções enfiam-se pelos nosso olhos dentro mirrando-nos a nossa já perdida alma com a vergonha de não termos sido tocados pelo dedo divino, dando primazia a outros menos celestes e mais ou menos conspurcados.

Felizmente - é o que nos salva -,  somos abençoados pela condescendência, pela abertura de braços, pela disponibilidade, pela tolerância, pela capacidade de perdoar e por todas as virtudes que se queira inventar, apanágio destes anjos da blogosfera que não hesitam um segundo - são crentes - em esbardalhar sem qualquer reserva ou pudor as fotos de família, captada nas mais impensáveis e nas mais corriqueiras situações, sempre acompanhada por gatinhos e por criancinhas que são expostas minuciosamente até lhes vislumbramos as auréolas.

É estranhíssimo como ao trespassar estes pergaminhos de excelso bendizer, de sobrenatural elevação, espiritualidade, bonomia, penitência, oração, dedicação ao outro, solidariedade, altruísmo, fé incondicional, celestial visão da universo e impoluto viver, me senti ameaçada, assustada e intimidada.

Creio que foi por perceber que até nas luzinhas ali a cintiliar, espreita o muito escuro.