8.6.22

A Gaffe em fuga


A Gaffe abandona toda a sua gelada sofisticação e fleumática indiferença quando depara com aquilo a que decidiu chamar solidariedade do pechisbeque.

Nessas alturas apetece-lhe apenas agarrar numa tábua com um prego na ponta e desancar as senhoras com ar de freiras à paisana que nos átrios das instituições públicas montam uma mesinha, cobrem o tampo com um paninho engomado e espalham em cima uma caterva de pechisbeques que tentam impingir em nome de uma associação de solidariedade social que ninguém conhece, com um nome habitualmente irritante – a Lacinhos, a Brinquinhos, a Miminhos, ou os Cominhos.

São porta-chaves, pingentes, bolinhas, postais, esferográficas, caixinhas, livrinhos, bonequinhos, pins, mascotes e tudo o que for pequenino, irritante, inútil, feio e de plástico.

Arregaçam um sorriso que não faz franzir os olhos e desabam sobre nós com a insistência do mosquito nocturno que nos enferma o sono, agindo em nome dos desfavorecidos - que aparentemente lhes passaram uma procuração de plenos poderes -, ou do planeta das crianças disléxicas, cada mais povoado por miúdos que tropeçam três vezes na bola no mesmo jogo ou que, para além de dizerem treuze, o escrevem - se os Estados Unidos produzem crianças obesas a um ritmo alucinante, o sistema de ensino português vomita com a mesma velocidade crianças disléxicas. É o seu new black.

A Gaffe desconhece o circuito, posterior à mesinha dos pechisbeques, do parco pecúlio que esta espécie de catequista anzoneira e onzeneira consegue angariar. Ninguém a informa. Pode ser perfeitamente usado na compra de santinhos para oferecer durante a procissão de beneficência ou na aquisição de um vibrador para beneficio da acólita, mas, tendo em conta o ar de coruja com que a senhora fica quando vê a Gaffe esconder a carteira, descalçar os sapatos, arregaçar a saia e desatar a fugir, desconfia que é usado na compra de adubo para abastecer os obesos mentais que continuam a engolir esta dislexia social.