21.6.22

A Gaffe num espelho

Vivian Maier

No quarto há um espelho envelhecido com garças de asas abertas pintadas há dois séculos. Há nódoas escuras na superfície do cristal, pequenas corrosões, manchas esfaceladas nas margens, pequenos círculos onde nos vemos negros ou nem sequer nos vemos.
Se nos cruzamos com aquele espelho temos de procurar que os nossos braços se afastem dos corpos das aves e que os olhos mergulhem nos escuros das falhas. O nosso reflexo fica desta forma sem asas e o lugar do olhar são dois buracos.
É o único reflexo que nos aceita por se aproximar de nós como um espectro. É o único reflexo onde a verdade sem olhos, olha para nós e sem olhar, nos vê de corpo inteiro. Ali, somos vistos cegos e olhamo-nos por dentro da cegueira.

Na superfície do espelho as garças debicam os buracos e dentro dos nossos olhos.