28.7.22

A Gaffe da pilita


A Gaffe decidiu reencontrar-se com Lídia Jorge.

A implicância que sentia tinha origem na imaturidade com que abriu uma das suas obras num cais de Verão adolescente e sem murmúrios.
Percorre com o dedo os volumes sossegados, abre o sorteado, procura-lhe um parágrafo e abandona-o sem desperto interesse. Volta a abrir uma página ao acaso e sobressalta-se.

Lídia Jorge chama à pilinha de um dos seus heróis espingarda de carne.


Yourcenar, em tempos idos, chamou-lhe canhão. Admite-se que a poderosa belga use uma artilharia mais pesada - afinal conviveu com imperadores -, mas não é admissível que se chame à pilinha seja de quem for espingarda de carne. É tão tolo como lhe chamar pirilau que lembra de imediato pó de talco e creme para assaduras.

Há que encontrar uma certa dignidade neste baptismo tão íntimo.

A Gaffe não acredita que dar à pilinha um nome familiar resulte. Chamar-lhe Adalberto ou Zézinho não convence ninguém e corre-se o risco de ver o primo afastado e de quem não gostamos acorrer ao nosso chamamento. Eventualmente a pilinha do primo não se chamará assim. Chamar-lhe Bernardette ou Lourdes apesar de evocar o Moulin Rouge pode parecer também que nos vamos pôr a rezar logo que ela chegue, dada a conotação religiosa apensa aos nomes das senhoras.

Atribuir à pilinha nomes de objectos, apesar de ser um interessante exercício de associação, pode levar a desilusões deprimentes. Chamar-lhe martelo tem força, mas pode-se acabar com um de S. João e a subvalorizar os pregos. Mastro é bastante visual, mas existe sempre o risco de termos o casco a meter água.

Não adianta muito o uso de vernáculas denominações. Não particularizam. As generalizações são sempre falhas de imaginação e excluem todos os pormenores identificativos de personalidades mais originais.

A Gaffe sugere que o nome da pilinha seja escolhido pelo par. O duo terá com certeza o cuidado de evitar conexões demasiado bélicas e harmonizará a escolha de modo a que faça pendant com outros atributos, reconhecendo que chamar à pilinha espingarda de carne é sempre um tiro pela culatra.