19.8.22

A Gaffe intimada

Celia Calle
A Gaffe acaba de ser cilindrada.

Entra-lhe no gabinete - depois de lhe ter sido anunciado um senhor que lhe quer falar com urgência - um rapagão com cerca de dois metros espadaúdos, de barba rasa, olhos de amêndoa amarga e doce, meu tropel de ternura, minha casa, meu jardim de carência, minha asa, pestanas do tamanho da Torre Eiffel, vozeirão tonitruante e T-shirt vermelha justíssima para fazer jus aos peitorais morenos.

Saca do bolso traseiro - e que traseiro, Deus meu, porque padeço eu assim? - de um rectângulo em couro que faz abrir. Cai a tampa àquilo e a Gaffe fica com a identificação do mocetão colada aos olhos.

PJ

Pronto e à paisana porque esse é o uniforme.
A Gaffe imagina-se algemada, torturada por aqueles músculos todos, de joelhos macerados, pérolas rolando nas pedras frias das masmorras, Chanel esbardalhado, sem batom, descalça, sem um refresco que a salve a não ser o das lágrimas que tombam, despida de preconceitos, ali nua, verdadeira, honesta, pura e divinal, angélica criatura arrastada pela infâmia. Sem redenção. Uma condenada à chibata certa.

Depois dos salamaleques do costume, o rapagão pede-lhe informação de registos de carácter não nominal relativos a outra que não ela - não necessitando sequer, para os obter, de se dirigir a uma Gaffe agora envolvida pela desilusão.

Já não se pode sonhar em condições.