2.12.22

A Gaffe fútil

Contava a minha avó que conheceu um cão, trôpego e lazarento, que todas as manhãs se aproximava do mar, esperava a onda mais suave, alçava a pata e cumpria o que normalmente se espera de todos os cães que alçam a pata, lazarentos ou não.

- Porque tudo acrescenta – concluía o pensamento do bicho.

Numa versão que se coaduna muito mais com a neta, temos uma ondulante e esguia investigadora, do tipo CSI, cabelo ruivo a esvoaçar, blusa dois números abaixo do permitido pelos pneumologistas, de saia travada até esfolar os joelhos e estropiar as virilhas, a enterrar na areia os tacões agulha, transportando com cuidados desvelados a lamela onde uma gota de água treme ao ser depositada no azul espumado da onda mais suave.

Porque tudo acrescenta.

A Gaffe, muito dada a oceânicas metáforas, descobre que as duas imagens ilustram de forma singular a evidência dos blogs que são somados às ondas.

Todos acrescentam.

É evidente que alguns são os da pata alçada. Não falemos destes, porque trazem gato.
É evidente que a investigadora alça a pata - as duas, com certeza -, mas em situações diferentes das que a trazem aqui. Ignoremos pois as que se vão evaporando de forma irreversível, interrompendo o ciclo da água sem dano nem agravo.

A Gaffe gosta das que a encharcam nua na gota que acrescentam.
Admite, no entanto, frívola que é, tonta de tão à superfície, que de todas as gotículas as suas favoritas são as mais banais, porque é da banalidade a autoria de todos os argumentos, guiões e enredos da vida. Somos do corriqueiro, de corpo inteiro e alma aberta, apenas o disfarçamos com a pompa do que brilha e com a circunstância que permite o artifício e a ilusão.
Temos apenas de ter a certeza que não nos entramos, nem de pata alçada ou de tacão agulha, num workshoop de escrita criativa, coisa que sempre intrigou esta tonta rapariga, por lhe ser doloroso ter de admitir a existência de treinadores de criatividade, que aparecem a vender um book gift, depois de laurear, a preço substancial, as pevides da escrita dos tolos.

Em 2023, alguém devia criar um blog sobre o que acredita ser banal, para reconhecer depois o engano fascinante e descrever a viagem que ondula nos barcos que chegam no seguimento da coisa revelada.

Em alternativa, se é maçador este devaneio, há sempre a possibilidade, mais prosaica e simples, mas que é, sem a mais microscópica das dúvidas, única, genuinamente original:
Em 2023, alguém devia criar um blog sobre a Gaffe.

A futilidade, meua amores, é uma cama.
Nada de prometedor auguram os dias em que a Gaffe se levanta com o desejo imenso de se voltar a deitar.