Vou de pés atados pelo caminho estreito das mimosas de outrora.
A bruma regressa no retrocesso do tempo e na inversão dos pássaros que se debatem ainda nos fios da rede destes dias frios.
A sombra dos teixos a crescer nas pedras e nas tranças de água dos olhos dos peixes. Uma sombra a estilhaçar os vidros da memória.
Levo uma pedra cega de sono sobre a boca, uma clara mordida antiga de poeira branca ou luz de porcelana.
As manhãs frias parecem nomeáveis, presas pelo fio de água que tomba na cisterna, povoado de maçãs vermelhas e orvalhadas colhidas noutras manhãs cheias de frio.
As manhãs frias ficam só manhãs, até perder a conta, sem pele nem poros. Só com nome. Manhãs em que se veste a tristeza que na véspera havíamos dobrado e pousado nas costas da cadeira, arranjado o vinco, sacudido o pó e desfeito a prega, trocando as voltas à dor, à cor que fica bem, para que não se note muito que estamos a usar a mesma roupa de ontem.
Nas manhãs sem chuva, tenho medo e vou pelo peito da alvorada olhar o fio de água fria que tomba na cisterna. É dentro do frio fio da água da cisterna que há luz de linho branco, o vislumbre afogado do corpo de penas do estilhaçar das nuvens.
Nas manhãs frias sem chuva, volto ao cerco dos braços da cisterna e o fio de água é pulseira no meu punho, arco em meu redor, enxames de abelhas no regaço do tempo, amor pousado na cintura da cama dos sossegos mútuos, medalha de marfim no pescoço de um cego, fenda do rochedo onde apascento o rebanho dos meus dedos.
Cedro ou madeira de cipreste ou um ramo de açucenas pousado no meu peito.
Frente aos meus olhos escorre a placidez da seiva descerrada, o entrançar das arrecadas da manhã nos pingentes de prata da luz de mandrágora e no frio das folhas que tombam nas deslumbradas manhãs das conchas de água dos fios das casas que eu habito.