24.3.23

A Gaffe no interior da beleza

Fernando Vicente

A beleza que importa realmente é a interior.

Ouço dizer que sim e torço o nariz.

É que no meio das conferências a que assisto - não são muitas, há que ficar descansada -, vejo e ouço intelectos que me fascinam, mas não me despertam nenhuma espécie de emoção mais ou menos física, nem me fazem tremer de excitação imaginando-os na cama comigo. São mentes poderosas em corpos bastante frágeis e carcomidos pela falta de ginásio - e estou a ser muito benevolente.

Se a beleza interior tivesse a dimensão que dizem ter, não se venderiam tantas coelhinhas e coelhinhos, com corpos esculturais e sensualidade invejável. Seriam substituídos por homens e mulheres de mentes brilhantes, mas com a aparência de verdadeiros coelhos.
Há uma genuína beleza no motor de um carro de colecção do início do século passado, mas sabemos que são os Fórmula 1 que nos eriçam a penugem e nos levantam as saias ao passar. A elegância vintage e a inteligência notória patente na conservação do calhambeque, é relativamente fácil de ultrapassar quando por nós passa um Bentley actualíssimo e carregado de charme luzidio.

A beleza exterior acaba por ser um motor potentíssimo que nos leva, a nós raparigas espertas, a todo o lado, mesmo àqueles a que não queremos de todo visitar.
A verdade é neste caso para lamentar, mas não é por isso que pode ser evitada ou camuflada. Somos escravos do à primeira vista. Julgamos e rendemo-nos àquilo que se esbarra contra os nossos olhos, muito antes de nos entrar pelo cérebro e no coração.

Arrependemo-nos depois? Obtemos ocasionalmente um sim à questão colocada, mas mesmo choronas Madalenas temos no registo, no lugar dos ganhos, uma ou outra noite bem passada com um ou outro idiota bem ginasticado e, nós já sabemos, é sempre muito útil ter um livro à cabeceira que nos abstraia do ressonar do lorpa.