7.3.23

A Gaffe proletária


É mais do que certo que o povo é mal pago. A tradição vem de longe, neste país à beira-mar plantado e bem regado, e a evidência do facto tem história comprovada, sempre acompanhada por uma espécie de subvalorização do trabalho - quer por parte do que o executa, quer por parte de quem o quantifica para o recompensar.

Transcrição da factura que um mestre-de-obras apresentou em 1853 pela reparação que fez na Capela do Bom Jesus de Braga*
(Arquivo da Torre do Tombo)

Por corrigir os 10 Mandamentos, embelezar o Sumo-sacerdote e mudar-lhe as fitas - 170 reis

1 galo novo para S. Pedro e pintar-lhe a crista - 95 reis

Dourar e pôr penas novas na asa esquerda do Anjo da Guarda - 90 reis

Lavar o criado do Sumo-sacerdote e pintar-lhe as suissas - 160 reis

Tirar as nódoas ao filho de Tobias - 95 reis

Uns brincos novos para a filha de Abraão - 245 reis

Avivar as chamas do Inferno, pôr um rabo ao Diabo e fazer vários concertos aos condenados - 245 reis

Fazer um Menino ao colo de Nossa Senhora - 210 reis

Renovar o Céu, arranjar as estrelas e lavar a lua - 130 reis

Retocar o Purgatório e pôr-lhe almas novas - 355 reis

Compor o fato e cabeleira de Herodes - 55 reis

Meter uma pedra na funda de David, engrossar a cabeleira no Saúl e alargar as pernas ao Tobias - 95 reis

Adornar a Arca de Noé, compor a barriga ao Filho Pródigo e limpar a orelha esquerda de S. Tinoco - 135 reis

Pregar uma estrela que caiu ao pé do coro - 25 reis

Umas botas novas para S. Miguel e limpar-lhe a espada - 255 reis

Limpar as unhas e pôr uns cornos ao Diabo - 185 reis

TOTAL - 2.545 reis

Para tão largas, santas e poéticas tarefas, tão curta a recompensa!


*ortografia da origem