31.5.23

A Gaffe envelhecida

Para a Paula Vasconcelos

Aiden Shaw

Ao deparar com meninas telegénicas e as suas constantes preocupações em publicitar a cor do cabelo patrocinado por uma marca de tinta, trepam-me à memória, espalhando-se e contaminando o meu dia, as cabeças de Fernando Ruas e de Victor Constâncio e permito-me concluir que se às mulheres é reconhecido o direito de mudar a cor da juba, já aos homens o caso adquire tons mais complicados.

As cabeças de Fernando Ruas e de Victor Constâncio, por exemplo, parecem ter sido dominadas por uma aranha negra, velha e outrora peluda ou, em alternativa, terem um rato morto a servir de cabeleira.

Admitamos que aquilo é deprimente.

Desenhar o penteado com um marcador preto produziria o mesmo efeito. A tinta tinge o couro cabeludo e, no caso do primeiro, apeçonhenta o bigode. Ficamos perante dois casos de toucas de banho incorporadas, negras, funestas e retintas e nitidamente falsificadas, como se os chineses tivessem plagiado a estrutura capilar e a pilosidade de um jovem latino e tivessem colocado o produto à venda nos mercados e nos átrios dos municípios.

É um erro crasso confiar num homem que pinta o cabelo daquela forma e acredita, patético, que consegue convencer os pares e os parceiros com o negro daquilo que outrora foi cabeça. É tão idiota como acreditar nos que arrastam de forma confrangedoramente dolorosa - uma dor de alma - os fios da nuca para a frente da testa, criando uma estranha e assustadora arquitectura pilosa que lembra um ovo de extraterrestre num filme qualquer de ficção científica de terceira categoria ou pornográfico, onde não há categoria nenhuma.

As meninas podem tingir-se com a cor cereja, porque há sempre a possibilidade de nos distrairmos com os decotes e com os vestidos dois números abaixo do que seria necessário para não ficarem comprimidas, mas um homem não podem usar a porcaria que as raparigas publicitam sem correr o risco de passar por idiota, desonesto, inseguro e incompetente.

Aiden Shaw

Há incomparavelmente mais probabilidades do cabelo grisalho, ou mesmo totalmente branco, poder ser o mais deslumbrante e fascinante convite à aventura e ao embarque naquilo que é o transatlântico mais poderoso do universo: a maturidade consciente e assumida do homem por quem perdemos bússolas e astrolábios - não convém contudo generalizar, porque nos lembramos de repente do engenheiro Sócrates.

Aiden Shaw prova de forma inequívoca a tese defendida. Embora, diga-se, tenha um passado conturbado e controverso, muito dedicado a fitas pouco recomendáveis, é uma espantosa criatura susceptível de povoar os sonhos menos brancos de uma rapariga com a cabeleira cor de cenoura, ou de um rapaz mesmo careca e apesar deste portento não passar por nós ao virar da esquina, não é o único unicórnio a passar por aqui. As meninas façam o favor de atentar em:

Patrick Petitjean por Joe Lai

Patrick Petitjean

ou em Philippe Dumas

Philippe Dumas

A Gaffe acha muito bonito dizer-se que cada ruga que nos surge é uma história contada.

É evidente que este lugar-comum não se pode aplicar a gente que já nasce velha, a seres com idade para gostar de marcar presença nos festivais de Verão e cara de quem já passou por todos, nem a criaturas com uma pele de rabinho de bebé, mas que fazem de Manoel de Oliveira - no estado presente - uma criança de cueiros.

A velhice é como o dinheiro. Enriquecer e envelhecer exigem estratégias precoces que permitem atingir o estatuto fornecido por rugas e fortuna com o poder de quem tem histórias para contar, mas que prefere autorizar que sejam narradas ou fotografadas pelos outros.
As histórias de cada um são narradas pelos mais ínfimos actos, pensamentos, ditos, acções, posições e atitudes. As rugas são apenas inexoráveis narrativas celulares.

O tempo, dizem, é uma criatura implacável. Pensar contrariá-lo envelhece-nos imenso para além de nos poder transformar em mutantes de silicone.
O único modo de contradizer o passar dos anos é sentir que temos demasiadas rugas para fazer determinada coisa e agarrar no bom senso e fazê-la.
É uma perfeita tolice declarar que a vida começa aos 30, aos 40 ou aos 50!

A vida começa quando decidimos e conseguimos ignorar a plateia.