24.5.23

A Gaffe no tempo dos colégios



Era uma menina doce no tempo dos colégios. Uma menina que ainda não tinha descoberto o tigre que solto caça e rasga a presa com veludo e garras de cetim e harpa. Tinha a quietude dos meigos que é a mais segura casa dos que tímidos afloram a superfície das coisas com cautela. Tinha a compostura das senhoras e a mais frágil solidez de alma que me lembre.

No início dos dias dos colégios, havia recital.

Havia um menino e um piano, uma rapariguinha triste no som de um violino, uma bailarina branca como cal, uma canção de ninar que entardecia e um pombo perdido a esvoaçar na sala.
Eu recitava:

E veio o Outono com passos de doente
E dedos de penumbra e suavidade
Pôr sobre a Natureza, lentamente,
Pétalas, espargir de uma saudade.

E a triste se ficou, serenamente,
Como quem vê perdida a mocidade.
Mas tão linda se fez à luz poente
Que se tornou menina sem idade.

E triste me ficava a ver-me ao longe no poema tonto que não compreendia.

Longe, os dias dos colégios são a memória desse Outono que vinha adoentado. Não os tenho a não ser no que me vejo ao longe, a recitar. Pequena como pétala ou como a penumbra que se encosta às portas do que agora sou, a ver-me ao longe.
Dentro desse tempo dos colégios e dentro dos Outonos que vieram, os olhos do meu avô eram luz poente. Faziam com que a menina não tivesse idade.
Dentro dos Outonos que vieram, nos outros recitais que eu não entendo, o meu avô debruça ainda o olhar sobre um poema e, mesmo por dizer, di-lo comigo.