2.6.23

A Gaffe de um beijo

Alexandru Crisan
Um beijo, às vezes, é como um sopro de pássaro a voar rasante sobre uma planície.
Há beijos que trazem a boca carnuda como um fruto de Verão e esculpida, grossa e encorpada. Outros são de uma nudez completa, essencial para o desenho do espaço imprescindível para que se ignore o corpo que resta.
Há beijos que não damos, porque no silêncio os sentimos soar dentro da alma e porque tudo nos chega decepado, como se no caminho que vai da alma onde soam, à boca que os dá, tudo se perca e se abram flores de carne inúteis e incompletas.
Há beijos com o sabor a mel e a pólen misturados com a saliva. Mesmo quando na boca o bater do coração não seja o mesmo do beijo que é dado.

Há os que disparam armadilhas. Ouvimos silvar as balas. Quebram-se ondas do mar só com um beijo.
Há beijos que fazem tombar lírios sobre o dia, deixando-nos morrer sobre a nudez perfeita da Verdade.
Há beijo que esvoaçam pairando sobre a boca que adormece porque tem medo de acordar e não sentir mais nada.
Há beijos ensonados, com o sabor da névoa dos que sonham acordados.
Há beijos como se fossem terra ou mar ou um pedaço de pão pousado na toalha de uma boca.
Há beijos que são o traço negro das gôndolas e um abandono ao frio de estandartes.
Há outros que são mapas de outro corpo.
Há beijos desfeitos nos canais do lento arrasto da melancolia dos trajectos.
Há beijos peregrinos. Ouvem-se rezar nas catedrais.
Há beijos comédias, saltimbancos súbitos que assustam prendendo pássaros à boca.
Há outros que são esboços mortos de um poeta.
Há beijos que são a única razão para o suicídio. Deixaram de ser tudo na boca beijada. Trazem mortas as baladas que tangiam.

Talvez a noite aquática das Praças desfaça o que mora entrançado na varanda de um beijo ou talvez sejamos nós a ir embora.


Talvez o silêncio seja Deus a beijar.