A Gaffe foi convidada para um jantar de negócios com o mano. Era uma vez o Inverno.
Não foi a sua primeira escolha, mas a enxaqueca da irmã –
mais enxa do que outra coisa – impediu-a de se fazer presente e de
endrominar um casal de idosos ingleses que decidiram recuperar um casarão no
Douro e fazer de conta que são viticultores.
Estaciona o carro perto do ginásio onde o rapagão completava
coisas que fazem suar imenso e espera.
Espera até lhe começar a doer o cashmere trench coat –
estamos a falar de ingleses, convém treinar -, que usa depois de chantagear a
dona. Sente-se enregelada, já que se recusa a ligar o aquecimento do carro,
porque para além de ficar enjoada não sabe onde, nestes carros moderníssimos, o
tubo do calor desemboca e receia respirar qualquer coisa desagradável … ou
coisa que o valha.
Sai atordoada pela impaciência, já com o bâton misturado com
a espuma da fúria e tenta empurrar a porta de entrada no ginásio com o glamour que
sobreviveu à intempérie.
- Ah! ... Ainda está a fazer a aula.
Deve ser dito que fazer a aula é das expressões
mais irritantes que a Gaffe conhece. Aliás, fazer o que quer que seja
incomoda-a muito. Descalça a luva, toca no cabelo que para pentear em
banana custou mais do que duas horas de desespero ao seu querido Miguel,
traça o casaco com um ar de diva ofendidíssima e recomenda:
- Não se importa de ir lá dentro recolher os ingredientes. O
homem já fez a aula, garanto-lhe.
A mulher, de unhas de gel e fato de treino, com um carrapito
oxigenado ligado directamente ao cérebro por onde emitia ondas
electromagnéticas que se sentiram hostis, vociferou:
- Entre você se está com pressa.
Foi um erro pensar que a Gaffe desistia perante a ameaça de
testosterona aos pinchos e a fazer alongamentos.
Entrou fazendo os possíveis por parecer Ava Gardner.
Uma doentia humidade quente atacou a leveza dos seus passos.
O seu cabelo domado ganhou vida e num instante sentiu-o a encaracolar, a
encarapinhar, como a juba da Barbie que a sua infância levou para o banho
decidindo depois, para a secar, usar um secador na potência máxima; o seu
casaco colou-se ao corpo com a pressão atmosférica e quem visse diria que
pilotava um caça a uma velocidade hipersónica, porque sentia a cara toda
distorcida. Escorregou no pavimento, mas esse pormenor ficou agarrado às
paredes.
Recompos-se. Uma rapariga experiente sabe que entrar em
pânico faz suar e é fatal.
Abriu finalmente a porta que lhe daria acesso à sala
onde a besta bufava.
Deu consigo no balneário.
O que viu não é aconselhável uma rapariga de boas famílias.
Não é propriamente recomendável - mesmo não sendo desagradável de todo -, uma
menina ter uma data de pilinhas espantadas a olhar para ela, que nem sequer tem
à mão uns óculos escuros.
Uma situação absolutamente embaraçosa para os rapazes.
No meio do nevoeiro e depois de uma análise breve, mas muito
profícua, do meio ambiente - enunciará em breve as conclusões a que chegou
-, avista o maninho também com a pilinha a olhar para si e finalmente
compreende o clube de fãs que este rapaz conseguiu povoar.
Se Ava Gardner não hesita, esta rapariga também não. Avançou
determinada, sorriu polidamente para os conhecidos e para as desconhecidas,
agarrou no saco do mano com a desenvoltura das ginastas, voltou a sorrir e:
- Convém que te despaches. Eu já levo o saco para poupar
tempo.
Não foi brilhante, mas também não se pode exigir Shakespeare
nas situações em que se contracena com pilas.
Saiu quase a desmaiar e a abanar-se toda com a luvinha
e a suspeitar que desta vez o calor que sentia não era o do ginásio.