15.6.23

A Gaffe inabitada

Aykut Aydoğdu 

Olho-a por entre as vidraças.
Traz uns óculos pretos masculinos, dois pequenos rectângulos seguros por hastes quase invisíveis. O cabelo preso como a avó lhe ensinou e um brilho caro nos lábios. A blusa de decote em barco azul-marinho, alonga-lhe a nua indolência dos braços e as calças largas de linho branco, marinheiras, deixam ver os pés descalços. Preso na blusa, perto do ombro, a marca das mulheres da minha casa, as pérolas, desta vez encastoadas num minúsculo insecto Lalique.

Beberrica água com gelo e limão triturados e gotas de vodka enquanto fuma devagar. Não vai esmagar o cigarro. Nunca o apaga. Vai atirá-lo como sempre para o cinzeiro e olhá-lo a consumir-se em brasa inútil.

É uma das mulheres mais perfeitas que eu já vi e, no entanto, percebo-lhe a doença.
Temo sofrer da mesma maleita.
Receio que acabe em mim por atingir o patamar de gravidade que na minha irmã é já evidente.

A Arrogância.

A minha irmã despreza o Universo todo. A náusea de viver. O desumano nojo. A repulsa que se imiscui com a desilusão mais crua. O asco solitário dos inabitados.

Levanta-se e sai, descalça e de oiro, imune, inabordável.
Olha-me indiferente.

Às vezes a Arrogância vem antes do Desprezo.