13.8.23

A Gaffe das liberdades


Todos os clichés, frases feitas, máximas arrancadas a contextos, são, diz o meu sábio amigo, brevíssimos resumos de raciocínios complexos, sínteses ou sinopses mais ou menos enviesadas do pensamento, ou breves lantejoulas arrancadas de um tecido vasto onde por acaso cintilaram.

São insuficientes, normalmente erradas, muitas vezes fomentam preconceitos, embora não deixam de ser representações enfezadas do raciocínio que as originou.

Uma das mais patetas frases feitas que giram e rolam pelos cantos todos deste circo, é a famosa a minha liberdade termina quando começa a do outro. É citada, repetida, transformada em paradigma da mais sentida humanidade e tida como monumento representativo do mais elevado sentido cívico das gentes.

No entanto, a minha liberdade acaba quando começa a do outro não é frase digna de ser repescada ou capaz de entronizar o autor.

Implica uma noção e um conceito medíocres de liberdade. Circunscreve-a. Divide-a, reparte-a em bocados enclasurados em compartimentos distintos uns dos outros. Insinua a existência de um possível limite, de uma fronteira que não é possível atravessar, porque embate com o terreno que lhe é alheio e - o que acaba por se tornar mais grave -, inclui, embora sublimada, a possibilidade de acção ou atitude menos pacíficas, porque é uso tentarmos aniquilar o que nos limita ou castra. Se a liberdade do outro destrói a nossa, é espectável que a tentemos reduzir ou, igualmente violento, que sejamos obrigados a diminuir a nossa.

O encontro com a liberdade do outro não é, não pode ser, sinónimo do fim ou da redução daquela que é nossa, porque é exactamente deste embate que surge o local de cruzamento - mesmo de opostos -, de ligação e de crescimento. Não diminui o que quer que seja. Multiplica.
O que é nosso entrança com o que do alheio e é nesse cruzar de liberdade - ou de liberdades, como se queira -, que advém a nossa estrondosa capacidade de ampliar a vida.

Quando a minha liberdade acaba quando começa a do outro, estamos seguramente a falar de dois pechisbeques que não fazem conjuntinho.