7.9.23

A Gaffe retroparva

G. Haderer
Fui assistir, em NY, a um concerto ao ar livre dado por uma banda muito interessante. Uma homenagem a Tom Jobim. Esvaiu-se o nome da banda e o da vocalista. Só sei que era brasileira e que tinha uma voz muito bonita que não envergonhava o Jobim.

O que me esfacela o entendimento é a cambada de homens que serigaita sempre nestes acontecimentos. São quarentões já rançosos, alguns já entrados nos cinquenta, geralmente barrigudos com pernas fininhas, mas muito cool. Muito Willie Nelson. Muito country.

Usam pólos deformados, azuis ou pretos ou então t-shirts lisas, gastas e todas mal amanhadas; sapatos moles, com aspecto de nunca terem visto melhores dias ou sapatilhas mais que ressequidas; Jeans descaídos, sem cinto, bastante sujos e com mau aspecto e um inseparável saco de couro muito usado. Trazem o cabelo mal cortado, com umas madeixas na nuca todas oleosas ou usam um rabo-de-cavalo raquítico, embora sejam quase carecas em cima. Fumam sem parar coisas que fabricam com a perícia de um ourives, não percebendo que o que nos mata deve chegar já feito. Vão buscar as cervejas, com uma rapidez fulminante, e bebem-nas quase sempre pela garrafa ou deixam os copos vazios pousados em todo o lado. Não se sentam, mesmo havendo cadeiras à disposição por todo o lado, para se esbardalharem à nossa frente e serigaitam para trás e para diante como se tivessem grandes planos para o resto da noite. Falam alto e bom som acerca do que ouvem para mostrar que estão por dentro; criticam o tom da voz que canta, com ar muito conhecedor, e referem a data em que a canção foi escrita - fiquei a saber que há canções do Jobim com 50 anos que são ouvidas hoje como se tivessem sido escritas ontem. Nestas andanças, as irritantes criaturas não olham para ninguém. Entram e saem para trazer bejecas com os olhos de quem está a cumprir uma missão em África e desatam às gargalhadas vá lá a gente saber porquê, mesmo no meio do refrão.
Quem os acompanha são normalmente raparigas iguais. Muito modernas, com calções curtinhos e casaquinho de malha fininha, reformada e deformada, por cima da t-shirt com logos gigantes ou citações revolucionárias; cabelo desgrenhado e volumoso, espigado, e chinelos do tipo havaianas, mas decorados com umas florecas murchas, todas retro. Bebem brandy que também trazem cá para fora. Há as que empurram carrinhos com crianças dentro que, suspeito, provam as bebidas dos pais antes de sair de casa, porque estão sempre a dormir e com ranho seco no nariz.

Comecei por achar que não passavam de representantes do estereotipado intelectual de esquerda gasta, mas sou nova e não penso. Da esquerda só os que são canhotos. O resto é maneta.

Há-os por todo o lado e desfazem por completo o prazer que há em se ouvir em sossego uma canção de Jobim.

São os retroparvos.