7.9.23

A Gaffe do campeão


A Gaffe não gosta de poeira a voltear no espaço. Espera que tombe e assente para depois colocar os seus Jimmy Shoo no pavimento.

Há contudo futuros sedimentos que a fazem cismar e arriscar o sapato.

Observa com algum pasmo o proliferar de indignação generalizada desperta pelos feitos de um senhor de meia-idade de excitado coração.
Rubiales, provavelmente depois de fumar umas coisitas ilegais, mostrou que nada há de mais patético do que um homem maduro que, com enorme poder, quer financeiro, quer simbólico - e é provável que por causa deles -, deduz que lhe é permitido beijar e apalpar atletas à laia de felicitações, ou como quem sopra a vela.

Mimar a campeã Jennifer Hermoso com um repenicado beijo na boca durante os festejos do título mundial de futebol feminino ganho por Espanha, ou mesmo antes das sudações efusivas às campeãs do mundo, agarrar os valentes genitais que também festejavam o golo de Olga Carmona, apesar de estar a poucos metros da Rainha Letícia e da Infanta Sofia – que merecem todo o recato em relação a festividades tomatinas, e tomate por tomate agarra-se os da horta do rei -, foram actos que conseguiram quase a unanimidade em redor da indignação, quase um consenso impossível, quase uma coesão almejada, a união de forças, de um país que se sentiu revoltado, humilhado, achincalhado e desconsiderado pelo globo inteiro.

Dir-se-ia que ninguém, no passado ou no presente, cometeu equivalente afronta nem ao país dos reis católicos, nem aos planetas dos outros macacos.

Em Portugal seria caso para que um Conselho de Ministros fosse interrompido para que o governo de declarasse a sua mais profunda revolta perante o acontecido. Marcelo visitasse outra vez as trncheiras ucranianas e António Costa se mantivesse em silêncio, como parece ser o seu new black.

Foi por pouco.

O mundo soltou jiboias, jacarés, periquitos, tarântulas, demasiados camaleões e restante fauna de arcas dos noés do facebook. Todos os bicharocos passíveis de serem mantidos ad nauseam. Multiplicaram-se os artigos erguidos do chão enlameado onde Rubiales colocou os espanhóis. Sucederam-se petições e abaixo assinados ao lado de blogues surgidos com o único intuito de exigir a demissão do ofensor. Fizeram-se manifestações à porta do Parlamento mostrando Espanha ofendida e humilhada erguendo a sua voz dorida.

Entretanto, a supostamente ofendida, aconselhada pelo batalhão de assessores de imprensa e de imagem que ganha num mês o que a totalidade dos manifestantes revoltados ganha num ano, nega ao senhor de meia-idade que tem imenso campo para abraçar e apalpar jogadoras - que entretanto alegadamente se divertiram com o facto – o consentimento informado dado ao prevaricador.

Em simultâneo à continência vingativa, o espanhol beijoqueiro, contrariando à boca desarmada a opinião dos sapientes comentadores e atentos peritos, comprova que os homens que se agarram aos testículos tendem a festejar com mais entusiasmo as mulheres que se sagram campeãs seja do que for e não se demite, não se demite, não se demite, não se demite, não se demite.
Mostra-se irredutível no consentimento dado e não deixa de lembrar aos jornalistas que quem produz um campeão é como que faz um filho, fá-lo por gosto. Daí as conotações sexuais. 

Rubiales é um atraente senhor de meia-idade que se tornou patético.

E o resto torna-se impressionante quando se levantam tempestades de poeira onde se devia apenas calcar com o tacão o que Rubiales agarrou ao festejar o golo de Olga Carmona.

A Gaffe debica o episódio - incluindo os detalhes mais escabrosos -, vivido pela campeã, rapariga que devia entrar de imediato para o Guniness como protagonista dos festejos mais enviesados da história do desporto.

A Gaffe suspeita que apenas se cometeu um crime. Coisa de nada, pois que a menina levantou o seleccionador, elevou-o, ergueu-o do chão, deu-lhe colo, abraçou-o forte e feio, logo sabia para o que ia, logo PIMBA - quer se queira, quer não se queira, quer se mude ou não de intenções, ali ou acolá, onde aprouver ao macho -, e, dizem as fontes, não era a única que andava a arrastar o corpo curvilíneo - em boa forma física - pelas ruas de aflitinhos cios de treinadores e compinchas.

São tresloucadas as doidas que acusam um homem com bagatelas, incomodando a mãe do pobre – pois que afinal, enfim, valhamedeus, ninguém violou ninguém num beco escuro – diz Woody Allen com todo um ar de experiência feito.

A Gaffe lê que a campeã deve ser apenas uma oportunista, que consentiu e calou, rebentando a bola depois para recolher uns fundos.

É evidente, meus amores, que não é de somenos importância a palavra consentimento e é evidente também que o assédio sexual não é uma monstruosidade que derrama ácido apenas sobre os corpos e as mentes de incógnitas meninas. O assédio é, como a morte, irrepreensivelmente democrata e não se limita a violações mais ou menos literais, nais ou menos consentidas - tendo em conta que a prostituição é sempre uma violação consentida.

A Gaffe ouve siderada o argumento que ergue a bandeira do poder divinizado do agressor. O sou-quem-sabes-logo-posso-beijar-te-que-tu-deixas.

Um homem com um poder específico - dizem sem se aperceberem do quão redutor, ofensivo, medíocre e patético é o que dizem – é um homem capaz de seduzir quem quiser. Ruibiales – leio - arranjava melhor do que aquilo. Acontece que Rubiales até pode arranjar melhor do que aquilo, mas não pode beijar ninguém, apalpar ninguém, usando e abusando do poder simbólico e constrangedor que detém e que inconscientemente é peso opressor e dominador exercido sobre a vítima.

A Gaffe ouviu o agressor clamar inocência, ter a consciência tranquila. É, portanto, apenas bonito, famoso, talentoso, trabalhador, rico e competente, e com estas inflaccionadas características todas as acusações consubstanciam actos de desmedido bullyng. A Gaffe ouve mesmo gente - demasiadas mulheres mais uma vez -, que ilibam com uma facilidade assustadora um acto que a ser aprovado - e parece haver matéria para tal receio - é um abuso nojento de poder cometido por um homem sobre uma mulher, independentemente de qualquer campeonato.

- Ai, que lhe vão destruir a vida.

Se for o que parece, meus amores, esperemos que sim.