15.5.24

A Gaffe de enxurrada


Vou ver a minha terra de enxurrada.

Vou pelo alagado ardor das laranjeiras, ao mais alto trilho das cabras.
Quero ver as nuvens como bandeiras mortas desabarem.
Vou encharcada de sol, de água e pedra, de queixume das folhas e de inquietude parada dos bichos, de corpo líquido e de coração de enxurrada. Vou ser maior do que eu e não ser nada. Vou de nuvem a escorrer-me pela boca, a entrar-me nos olhos para me secar a sede. Vou ver a minha terra de encardida lama. Terra que se morde no coração das casas. Terra de rastos a cheirar a púrpura. Terra de campa rasa prestes a parir. Terra que me vem lamber as mãos e morde de repente. Terra a latejar.

Lentíssimo relâmpago.