Tenho desde hoje de madrugada os ornamentos assustadores do pai do Bambi presos na parede. Armanda Passos, perdoe-me, querida, mas foi por uma boa causa que a retirei da parede.
O pai do Bambi - ou o que dele resta – chegou hoje às 04.15 da manhã debaixo do braço do Miguel. O Miguel chegou à mesma hora, banhado em lágrimas. A namorada - delegada de informação médica, com olhos de Greta Garbo -, recusou terminantemente imaginar o resto mumificado do pai do Bambi, de olhos fixos e intimidantes, cravados nela sempre que os dois, a delegada de propaganda médica e o Miguel - o pai do Bambi está neste caso fora da equação - decidiam brincar no bosque. O Miguel recusou desfazer-se dos ornamentos - do pai do Bambi - e houve tamanha discussão que só por milagre as cabeças de todos os envolvidos não rolaram. A delegada de propaganda médica colocou os dois - o Miguel e a ornamentação - na rua. O Miguel decidiu recolher a sua dor e os ornamentos do pai do Bambi, no meu privadíssimo cantinho do sossego.
Às 04.15 da manhã, eu, de pijama branco, com bolinhas cor-de-rosa, de cetim - exactamente, leram bem -, descalça e repleta de
nódoas de sono, abro a porta ao Miguel e só por acaso não sofro uma colhida
grave, pois que os cornos do pai do Bambi entraram primeiro.
Às 5.30 da manhã estavamos os dois a colocar na parede os chifres. Eu de
pijama, o Miguel de lágrimas, de garrafa de vinho tinto já bebido e encharcado
em SMS lamechas e doridos.
Agora, neste instante, tenho os ornamentos do pai do Bambi a olhar para nós e a ver-me toda torcida a tentar equilibrar a escrita e ao Miguel a ressonar com a cabeça a babar-me o colo.
Os móveis da minha irmã têm nome de pessoas, mas o Miguel escolheu os meus que
são anónimos.
Abençoado rapaz!
E a cabeça do pai do Bambi até faz pandant com o casal
desfeito.